12.1.06

Da série dos Chefs imaginários

Era uma quatrocentona de oitocentos anos, porque as origens voltavam e voltavam até quase tocar o elo perdido. Num sopetão ficou paupérrima, vendeu as sévres, os gobelins, os baccarat, os fabergé, o haras e a fazenda de papai, que tinha café. Sobrou uma finíssima bomboniére, dita como tendo pertencido aos romanoff. Sobrou também a empáfia. Mudou-se, num eufemismo delicado, para a Praça da República, para um banco da praça. E ficava lá fazendo pose, enquanto a pose conseguiu se manter. Com umas caixas de uva (a melhor madeira para queimar) fazia uma fogueirinha e numa lata de gordura de coco cozinhava o seu grande segredo: o parfait de marrons praliné. Como conseguia seus ingredientes? Tinha dois doadores anônimos, antigos admiradores dos tempos da juventude áurea, falidos também, mas com modestas pensões que lhes garantiam um teto. E eram viciados, vidrados, fascinados por aqueles parfait. Fazia uma dúzia para cada um deles e o que sobrava guardava na bomboniére. E dava para os passantes, mas só para os que julgava elegantes, só para os homens e somente para os que tinham impecáveis sapatos pretos bem lustrosos. Tinham que ser distintos, com cara de gente educada à suíça. Um deslize , uma meia de cor equivocada, uma gravata mais chamativa, como de publicitários e arquitetos e ela já recolhia rapidamente a mão com o docinho e marcava para sempre o cidadão como indigno de seus mimos. Ficou lá muito tempo, dizem, até que a bomboniére se quebrou. Desde então os homens têm andado cada vez mais mal vestidos...