Um amigo, cansado de falar em aromas primários e secundários dos vinhos propõe uma atualizada tropicalista-universalista das fichas de degustação, no estilo: "oxe, isso num dá inguio".
"Na primeira cafungada: saravá, que vinho tranca-rua da bixiga taboca da boca do catimbozó. E voltando a cafungar, o vinho se mostrou como onde o mistério encontra o brilho e repousam, alinhados, no céu supremo do pheitiço".
17.9.06
Da difícil arte de premiar
Com algum atraso coloco o link para os resultados, opiniões e controvérsias do prêmio Paladar, no qual tive o prazer e cansaço de participar. Uma maratona!
http://www.estadao.com.br/ext/especial/extraonline/especiais/premiopaladar/index.htm
http://www.estadao.com.br/ext/especial/extraonline/especiais/premiopaladar/index.htm
13.9.06
11.9.06
22.8.06
Entrevista
Que fiz com Michel Rolland está no site da Gula em:
www2.uol.com.br/gula/entrevista/index.shtml
www2.uol.com.br/gula/entrevista/index.shtml
21.8.06
8.5.06
Um pouco de tietagem
GAJA & me
Não posso resistir, tenho que postar esta foto que recebi da Alexandra Forbes, eu no auge de ser groupie, garrafa (vazia, que pena) na mão para ele autografar, livro na mão idem (para que a gente guarda autográfos? pelo mesmo motivo que coleciona coisas, uma tentativa de perenidade, de segurar o tempo, ou tirar uma casquinha da celebridade, sei lá!) e uma intensa felicidade com belo almoço e vinhos inesquecíveis no interior...a vida é boa por cinco minutos mensais, o que já é um lucro.
O trauma da primeira vez
Eu já bebi vinhos com screwcap, mas sempre servido por alguém, seja em restaurante ou noutro lugar, já abri aquelas garrafinhas que te dão nos aviões, mas aquilo não conta, avião (sem trocadilho) é um mundo suspenso, nada ali tem a ver com a realidade, nem a comida, nem a bebida, é o teletransportador, vc dorme numa língua e acorda em outra, parte no verão e hega no inverno. Então a minha primeira screwcapada pessoal foi ontem e foi muito esquisito. A garrafa é igual, o vinho era bom, porque a estranheza? Não sei, mas ficou faltando alguma coisa, o gesto, o barulho da rolha, a rolha para ficar segurando e examinando por falta de coisa melhor para fazer. Abrir um vinho com screwcap parece abrir um uísque. Ficou uma coisa incompleta. Vai passar, é claro, vamos todos nos acostumar, mas por enquanto é diferente, realmente estou sentindo falta da rolha, nunca pensei que diria isto.
5.5.06
a Gaia Ciencia
Juro que vou colocar notas de cata e fotos do almoço histórico com Angelo Gaja. Sempre quando se espera menos e se recebe mais é melhor. Fui com preconceito, o homem é casmurro, carantonha, mal humorado, os vinhos caros demais. Pois cheguei em casa e coloquei a garrafa autografada do Gaja na frente da cama e dormi sonhando com aquelas propriedades lindissimas dos slides. O homem é muito divertido, um show man. para mim so lamento que sendo almoço meu apetite nao esteja ainda dos melhores, mas a comida estava muito boa, eu adoro cordeiro e foi incrivel como o vinho explodiu de bom quando tomado com a comida, realmente eu que sempre acho que vinho combina mesmo com vinho, vi que combina com comida tambem. E tirei foto abraçado com ele e cai na mais pura e despudorada tietagem. Mudar de opinião para melhor sempre é bom. E que vinhos, Deus do céu, que vinhos!
14.4.06
13.4.06
Breve
Estou devendo comentáriso sobre a degustação de Borgonhas com Jonathan Nossiter do Mondovino e de Touriga Nacional com Suzana Barelli. Semana que vem tem a vertical de Chryseia. Tudo será devidamente relatado, gripe é gripe e gripe de conexão é pior, mas agora estamos no ar de novo, tudo está sendo escrito e será postado logo.
Uma lista é uma lista, uma lista
Exceto quando a gente fica feliz com ela. Esta da revista inglesa Restaurant que acaba de ser divulgada dá muito orgulho. Primeiro porque o Alex Atala aparece nela, primeiro restaurante brasileiro a ser citado numa coisa desta ordem, dentre meros 50 restaurantes do planeta. A última vez em que comi lá já se percebia que ele tinha achado sua linguagem, e ainda entesouro um chocolate branco com caviar (e olha que não sou o melhor lembrador de cardápios do mundo, tenho melhor memória para vinhos). Depois a minha festa particular pela décima posição alcançada pelo mais perfeito dos chefs, Andoni Luis do Mugaritz, de San Sebastian. Ver o Mugaritz reconhecido nesta escala é para mim muito mais importante que ganhar a Copa do Mundo, pois o Mugaritz é a cozinha do século 21, tecnologica mas inteligente e sensível, tocando a perfeição. Hoje que volto a escrever neste blog depois de longo e tenebroso invernos de caixas de mudança faço este post com o coração leve e feliz.
25.3.06
Pijamão
No Observer Food Monthly, caderno que circula com um dos melhores jornais ingleses (sendo o outro melhor o mesmo, que é o Guardian, pertence ao mesmo grupo e nem sei bem porque são dois), o crpitico de vinhos Tim Atkin conta o que bebe em casa, que é sempre diferente dos Margaux e Lafite das degustações, bem instrutivo e pode ser lido aqui:
http://observer.guardian.co.uk/foodmonthly/story/0,,1736835,00.html
http://observer.guardian.co.uk/foodmonthly/story/0,,1736835,00.html
Borbulhas e dinheiro
O Finatial Times de hoje publica uma matéria engraçada, sobre 10 maneiras de ficar rico, ligeiramente off topic aqui no Glupt, mas o item 5 tem a ver, vinho como investimento, uma idéia antiga (vide leilões da Christie's sobe o incrível Michael Broadbent) que tem a vantagem de que se der errado vc bebe o erro, no caso de ações o máximo que se pode fazer é rasgar com ódio a papelada, e ainda tem que comprar algo para beber para compensar:
5) MILLENNIUM CHAMPAGNE - Louis Roederer Cristal
What is it?
Bottle number 1,333 of a Methuselah of Louis Roederer Cristal 1990 champagne made to commemorate the millennium. Only 2,000 six-litre bottles were produced. Orders were taken in the mid-1990s for delivery in 1999.
What was it worth 10 years ago?
About £1,100.
What's it worth now?
£8,360, the highest price paid for a single bottle of champagne sold at auction.
Why has it taken off?
Richard Harvey, wine master at Bonhams' auction house, says: "You ordered the bottles in 1995 with the intention being that the champagne would be a perfect bottle to crack open in the millennium. Obviously some people did open it and some people didn't. Cristal is one of the great champagnes and because big bottles are rare it was one of the millennium investments that paid off."
Where's the market heading?
For a comeback. You can still find a few Methuselahs of Cristal 1990 millennium champagne. They're getting scarcer, so prices will rise.
And think back to before the 1990s. Buyers are lapping up vintage champagnes dating back to the 1950s. Consumed predominately by the British until recently, old champagne is now in demand across the world for its unique flavour. A bottle of Krug Clos du Mesnil 1979 sold last year for £462. Top names such as Dom Perignon and Louis Roederer Cristal from the 1960s and 1970s have been selling for nearly £200 a bottle.
For non-champagne drinkers, any first-growth Bordeaux wines are blue-chip investments: 1982 and 1996 were notable vintages A case of 1982 Chateau Mouton-Rothschild sold last year for more than £5,000 - five times its 1990 auction price. Looking ahead, 2005 was a good year, so get in early.
5) MILLENNIUM CHAMPAGNE - Louis Roederer Cristal
What is it?
Bottle number 1,333 of a Methuselah of Louis Roederer Cristal 1990 champagne made to commemorate the millennium. Only 2,000 six-litre bottles were produced. Orders were taken in the mid-1990s for delivery in 1999.
What was it worth 10 years ago?
About £1,100.
What's it worth now?
£8,360, the highest price paid for a single bottle of champagne sold at auction.
Why has it taken off?
Richard Harvey, wine master at Bonhams' auction house, says: "You ordered the bottles in 1995 with the intention being that the champagne would be a perfect bottle to crack open in the millennium. Obviously some people did open it and some people didn't. Cristal is one of the great champagnes and because big bottles are rare it was one of the millennium investments that paid off."
Where's the market heading?
For a comeback. You can still find a few Methuselahs of Cristal 1990 millennium champagne. They're getting scarcer, so prices will rise.
And think back to before the 1990s. Buyers are lapping up vintage champagnes dating back to the 1950s. Consumed predominately by the British until recently, old champagne is now in demand across the world for its unique flavour. A bottle of Krug Clos du Mesnil 1979 sold last year for £462. Top names such as Dom Perignon and Louis Roederer Cristal from the 1960s and 1970s have been selling for nearly £200 a bottle.
For non-champagne drinkers, any first-growth Bordeaux wines are blue-chip investments: 1982 and 1996 were notable vintages A case of 1982 Chateau Mouton-Rothschild sold last year for more than £5,000 - five times its 1990 auction price. Looking ahead, 2005 was a good year, so get in early.
22.3.06
Escolástico
Hoje no NY Times, Eric Asimov escreve longo artigo sobre Robert PArker. Como eu ontem tive um estalo que toda a influência do RP vem ainda da questão dos universais, que deu cada briga feia na filosofia da Idade Média, achei uma coincidencia certas coisas que ele escreve. Meu artigo vai sair no Trópico, sobre RP e o problema da Escolástica (nada como uma propaganda subliminar, leiam meu artigo, se e quando, for publicado). Mas de volta ao fluxo, o artigo está aqui, o dele (ai que confusão, é a mudança, ninguém tem um raciocínio linear cercado de caixas):
http://www.nytimes.com/2006/03/22/dining/22pour.html?_r=1&oref=slogin
http://www.nytimes.com/2006/03/22/dining/22pour.html?_r=1&oref=slogin
21.3.06
We are moving
Este blog está de mudança, não o blog, que continua neste mesmo endereço virtual, mas o blogeiro. Assim estaremos sem posts por uns dias, dependendo do bom humor da Telefonica e assemelhados, quando então voltaremos com muito mais de vinhos e coisas do vinho. Enquanto isto uma foto de alguns dos melhores vinhos bebidos neste endereço. Remelluri Blanco, Duhart Milon, Flor de Pingus Barceló edition, Lafite, Penfolds Grange, Clos de la Bergerie. Foi bom beber aqui, vai ser melhor beber lá. Até.
13.3.06
Clos de la Bergerie 2001
A principio, quando se abre a garrafa e se serve a primeira taça parece um vinho que passou. "Uhn...este já era, amarelo deste jeito e com este nariz meio botritizado e de chenin blanc ainda por cima...35 euros jogados fora". O nariz é uma delícia, cheio de convites voluptuosos (primeira e última vez em que usarei esta palavra neste blog, juro) mas não promete em termos de um vinho branco do Loire, se ainda fosse um Sauternes ou algo do tipo, mas de um Loire se espera aquela brancura adstringente, ou uma doçura monossilábica. Montes de cheiro de palha molhada, de coisas torrefadas, de mel, mas nada de frescor e alegria. Então um gole: é seco! Surpreendentemente seco, como se fôsse um Tokaj sem o açúcar residual. E depois o negócio vai ficando sério, o vinho é uma explosão de sentimentos, acidez deliciosa, juventude de um adolescente, matizes de um "dos grandes", destes que cada cheirada e cada provada te levam para outros patamares. O homem é mesmo um monstro, Nicolas Joly, e este é só o seu segundo vinho, nem mesmo é o Coulée de Serrant. De tomar de joelhos, mas é muito desconfortável, bebamos de joelhos psicológicos. E traduzir com graça o seu nome aumenta o gosto: Cercadinho das Ovelhas...
9.3.06
Momento Romanov
Eu não nutro especial simpatia pela ex-família real russa, mas não sei bem porque, faz muitos anos, criei a teoria dos Romanov. É assim, quando estas famílias perdem tudo e são obrigadas a fugir, às pressas e aos trambolhões, sempre sobra uma coisinha preciosa, uma latinha de caviar que seja. Então sempre que tenho que fazer algo de que não gosto, como longas viagens desconfortáveis de ônibus, levo nem que seja uma garrafinha de vinho, um chocolate especial, um conforto. Uma amiga de uma amiga, cujo nome infelizmente não sei, quando ficava dura de doer, contando as moedas, dizia: "sempre se pode comprar um chicletes de sabor exótico". A vida tem estas compensações, senão ninguém sobreviveria a ciclones e guerras.
5.3.06
Jantar no Fasano
Foi estupenda a experiência. Vou falar dos vinhos primeiro, fomos esquentando os tamborins com unas copitas de jerez fino, depois passamos para a mesa e o sommelier sugeriu um vinho do sul da França, um Costieres de Nimes, cujo nome ainda vou providenciar saber, mas que era feito de Grenache Blanc, ou seja, um vinho daquela coisa chamada Catalunha, só que do lado de lá da fronteira, muito fresco, austero no nariz, mas com uma gulosidade bem atraente. Depois veio um Cono Sur Riesling, um riesling chileno, excelente surpresa, pelo preço e pela qualidade, para comprar e ter em casa, é baratinho, 38 reais na importadora dos Fasano. Então passamos aos séris Chateau Duhart-Milon 86, vinte anos dormindo esperando por goelas sedentas, Como acontece com vinhos e é sempre educativo, das 3 garrafas a primeira estava inacreditável, bem madura, gostosa, animada, mas pronta para beber. A segunda estava desmaiada e parecia descendo a serra e foi um ato de misericórida acabar com ela antes que morresse e a terceira matamos cedo demais, podia esperar mais uns 4 anos no minimo, parecia engarrafada recente. Vinho não é ciência nuclear, ainda bem. Uns cálices de Madeira Blandy's e um conhaque encerraram a noitada.
2.3.06
Sendo inteligente para variar
Bordeaux Grand Cru
A brincadeira, na verdade é um jogo, é definir os estilos de vinhos, uvas, regiões, através de imagens, mas não retratos dos vinhedos. Assim a imponencia e complexidade vetusta de um Cru de Bordeaux, com duas decadas ou mais nas costas, faz pensar num salão de espelhos bem do grande século. Enquanto que a simplicidade, sinceridade e limpeza de propósitos de um bom Tannat uruguaio imediatamente se conecta com um pintor como Duccio, ou Ucello, ou até Giotto, aquela angulosidade de taninos que fazem parte do contexto, aquela perspectiva tal qual se pode ver. Um cabernet franc do Chinon, um Carpaccio, o pintor não a carne...fiz várias mas vou postar só 3 por enquanto, esperando sugestões. E olha que eu não bebi!
A brincadeira, na verdade é um jogo, é definir os estilos de vinhos, uvas, regiões, através de imagens, mas não retratos dos vinhedos. Assim a imponencia e complexidade vetusta de um Cru de Bordeaux, com duas decadas ou mais nas costas, faz pensar num salão de espelhos bem do grande século. Enquanto que a simplicidade, sinceridade e limpeza de propósitos de um bom Tannat uruguaio imediatamente se conecta com um pintor como Duccio, ou Ucello, ou até Giotto, aquela angulosidade de taninos que fazem parte do contexto, aquela perspectiva tal qual se pode ver. Um cabernet franc do Chinon, um Carpaccio, o pintor não a carne...fiz várias mas vou postar só 3 por enquanto, esperando sugestões. E olha que eu não bebi!
1.3.06
Desculpem
Hoje me aconteceu uma coisa tão definidora da vida de um crítico de gastronomia e enófilo, um hedonista alimentado à base de trufas brancas ou negras, conforme a estação, que preciso contar aqui, embora transcenda este umbral da intimidade que mesmo os blogs respeitam. Tive fome ao meio-dia, venho batucando o teclado desde o nascer do sol. Abri a geladeira, pensei, vou fazer uma sopa, peguei uma panela com arroz de ontem e abri a torneira em cima, coloquei um pouco de sal e deixei fervendo. Depois coloquei um fio de azeite, este sim, trufado. Mas foi trash demais, e eu precisava contar, ou agora, ou no leito de morte, preferi agora.
26.2.06
Quase escapou
Esta eu não tinha visto, foi o José Luiz Pagliari, o homem que sabe tudo de vinhos (e é modesto como ele só) que me chamou a atenção. Como Eric Asimov do NY Times começa seu artigo sobre os Riojas dizendo: "confesso, sou um partisan da região" (ou melhor, sou um fanático...) e eu também sou, não podia deixar de colocar o link aqui: http://www.nytimes.com/2006/02/22/dining/22wine.html
Como sempre explicando que para ler um artigo do NY Times é preciso estar inscrito como leitor online, mas que a inscrição é grátis e etc. E também para quem tem som no pc, vale a pena depois de ler o artigo, ouvir os comentários sobre as garrafas selecionadas, feitas em geral pelo próprio Eric mais um bando nada desprezível de convidados, como Frank J. Prial e alguns sommeliers e enófilos nova-iorquinos. Isto é que é carnaval!.
25.2.06
Remelluri blanco
Nem sempre o vinho é o que está na taça, é a sua história nela, o que vc sabe a respeito. Vinho é História e história, geografia e biografia. Um Remelluri blanco, com este nariz estupendo de cascas secas de laranja, de anchovas saídas do mar (mas como? o mar está a centenas de quilometros da Rioja Alavesa! O vinho não é para quem pensa cartesianamente. Há anchovas frescas no aroma do Remelluri e pronto), com esta carnosidade que te enche a boca e o espirito, alegria liquida. Aquele cheiro que dura segundos quando uma ostra é aberta, como se a onda do mar estivesse em refluxo mas ainda deixasse um restinho de maresia. E depois flores, petalas, um toque seco de mel, como se mel pudesse ser seco. O que mais se quer de um vinho? Que ele te transporte da Avenida Paulista poluida, feia e suja num sabado idiota de carnaval, para aquele sopé de montanha tão estupendo, para uma paisagem que nunca será a sua, para aquela tumbas milenares de mortos desconhecidissimos que já viraram minerais e que já viraram adubo e que já viraram vinho. Evoé Remelluri, um copo de vc é um carnaval. Beber um vinho assim vale uma missa. E depois vão aparecendo, sem nenhuma obviedade, o coco da madeira, tão discreto, tao elegante, um ponto sutil de botritis (ou será o skindo do carnaval já se intrometendo na minha olfação). Este vinho é um pequeno tesouro pré-quaresmal, depois dele realmente é preciso pensar 40 dias sobre o misterio da vida., e descobrir no final que tudo valeu a pena. Um vinho que faz chorar, como uma cantata de Bach. Sabe porque vinho é melhor que qualquer outra bebida? Por que vinho é comunitário, não é prazer solitário, é para ser compartido, dividido, só é realmente magnífico o vinho que é tomado em grupo.
Gracias Mikel Zeberio, David de Jorge e Juilián Armendáriz que me levaram aí por primeira vez, desta matéria líquida é feita a amizade e as gratidões. E Fifo e Margot Botti, com quem estivemos na porta da granja Nuestra Señora de Remelluri, chegar tão perto de Na. Sra. é mesmo como tocá-la.
Da arte de compartir
Não sei quem já teve a oportunidade de emprestar coisas que não voltam nunca. Eu infelizmente já, e como...então tive a complicada situação de provar 3 vinhos diferentes, em apenas 1 copo apropriado, com 3 pessoas diferentes. Parece mágica, dá certo, se as pessoas têm senso de humor (e tinham), mas é um malabarismo e tanto. Além da degustação às cegas inventamos a degustação em círculos. Obrigado ladrões de taças, voces forçam uma criatividade a mais no já malabarístico dia-a-dia do viver.
24.2.06
Ktima Pavlidis 2002
Pavlidis da região de Drama! Drama! O vinho não é dramático, ao contrário, deliciosamente ácido e mineral está descendo torrencialmente com um penne com brócolis, nozes e atum fresco. Estou quase vendo o por-do-sol no Pireu e ouvindo uma vozinha distante gritando: "Aritofánes!". Se os pré-socráticos tivessem um vinho destes não teriam deixado aquelas tabletinhas com fragmentos.
Amanhã
Vamos comentar um grande vinho português e um delicioso vinho grego, o português é o Meandro, segundo vinho da Quinta do Vale do Meão, do Douro, precisa falar pouco mais que isto, um vinho de Francisco Olazabal. O grego, está sendo bebido neste exato momento, muito fresco, corte de Sauvignon Blanc e Assyrtiko, e por isto só poderá ser devidamente comentado amanhã.
21.2.06
Come, come
Nem só de Michelin e guias locais de críticos inchados de si mesmos, como o insuportável "old fart" Rafael Garcia Santos na Espanha (um daqueles típicos bullies de restaurantes) vive o panorama da conversa inteligente sobre comida. Um grupo de gente do bem criou o Omnivore, um jornal simpático e agora também um guia. Acontece que o primeiro congresso do Omnivore acontecerá agora mesmo, esperamos que com grande resultado. Quem quiser visitar a página deles (um exemplar do jornal pode ser baixado grátis, no formato pdf) o endereço é este aqui:
http://www.omnivore.fr./
Infelizmente tudo ainda está somente na língua de Voltaire e Sartre, mas todo brasileiro acha que consegue entender francês, porque entende o Claude Troisgros na TV (haha, brincadeira!).
O Señor Vega Sicilia
Saiu na Gula que está nas bancas minha "aventura" pela região de Toro (não tem nada a ver diretamente com touradas, é no extremo noroeste da Espanha, frio e desolado, e lindo...) rumo ao encontro com Pablo Alvarez do Vega Sicilia, o link está aqui : http://www2.uol.com.br/gula/gulodices/160_noticias.shtml
Infelizmente, por falha minha acabei por chamá-lo de Alquiriz e não Mesquiriz como é o verdadeiro sobrenome materno dele, mas é que o nome original do Pintia, quando começou o projeto de VS fazer um vinho em Toro era Alquiriz, depois mudado para Pintia. Nisto que dá fiar na tremelicante memória...
Infelizmente, por falha minha acabei por chamá-lo de Alquiriz e não Mesquiriz como é o verdadeiro sobrenome materno dele, mas é que o nome original do Pintia, quando começou o projeto de VS fazer um vinho em Toro era Alquiriz, depois mudado para Pintia. Nisto que dá fiar na tremelicante memória...
Tanta terra, tão pouco terroir, vá entender...
Suzana Barelli, querida e experta jornalista de vinhos, conta que estão chegando ao mercado alguns brancos interessantes de Santa Catarina, cuja página web pode ser visitada aqui : http://www.villafrancioni.com.br/ Dou meu voto de confiança, mas desanimo um pouco ao ver que estão fazendo um Chardonnay e um Sauvignon Blanc, com todos os cuidados e carinhos, barricas de carvalho Allier e etc. Será que não dava para sermos mais ousados nas variedades? Plantar umas maluquices para ver o que pode sair? O melhor branco que tomei até agora (bom, ainda estamos em fevereiro...) foi o Maria Gomes de Luís Pato. Maria Gomes sendo a uva portuguesa da qual ele tira esta delícia na Bairrada. Mas tudo bem, louve-se mais uma vinícola brasileira, e ainda por cima em Santa Catarina. Esperemos...
16.2.06
Lá vai a rolha embora, de novo
Nenhum assunto volta mais à tona que o do desaparecimento das rolhas, da sua substituição por sintéticas, ou metálicas, ou de vidro ou screwcap: a tampa de rosca. Randal Grahm, o irreverente e engraçadissímo produtor de Bonny Doon fez o enterro simbólico de M.Thierry Bouchon, uns anos atrás, um nome fictício para a velha cortiça. E a rolha persiste e com ela o saca-rolhas. Mas agora um querido produtor do Loire, o Domaine de Baumard, com seu Savennières dentre meus amigos mais estimados, adotou a rosca. Neste caso não é um produtor comum, nenhum mega-industrial australiano, mas um refinado vinho branco longevo do Loire. Caso de se perder o requebrado, ou com a desculpa pela forma baixa de humor, o trocadilho: perder a rosca.
(a imagem é do melhor produtor de screwcap do mundo: Stelvin)
14.2.06
Uma visão da planície
Geralmente vemos a guerra de pontos de vista privilegiados, sempre do melhro ângulo. Por isto é instrutivo ler o relato de uma pessoa que foi ao Madrid-Fusión (mas para ser justo é preciso dizer que seria igual em qualquer destes eventos...) como simples frequentadora. Fez sua inscrição, pagou a caríssima taxa (em geral algo pertode 600 euros, preço de um carro velho vagabundo, mas um carro...) e foi sofrer na mão de todos, organização, hotéis e egos: a guerra na trincheira não tem nenhum charme. Há empurrões para sair na foto, disputa por um pedacinho de proteína e jovens chefs ambiciosos ávidos-por-aparecer-na-mídia-mesmo-que-seja-sendo-criticiado disputando espaço com velhos chefs ambiciosos a.p.a.n.m.m.q.s.s.c. Quem é de fora acha o Arzak um doce, é mais real ver este Arzak que ela mostra, um camaleão com um olho atento à oportunidade. Enfim, este o valor dos blogs, mostrar uma mosquinha no leite, que nem todas as viagens são perfeitas e nem todos os jantares maravilhosos. O link está aqui:
http://elenahernandez.blogspot.com/
12.2.06
A nova França?
Artigo semanal de Jancis Robinson no FT e reproduzido no site dela, na parte de acesso grátis aqui: http://www.jancisrobinson.com/articles/winenews060211 explica porque a Espanha é a queridinha de muita gente (y compris o que escreve este blog...) e porque os franceses têm razão de estarem preocupados com o ataques australiano-argentino no lado quantidade e espanhol no lado qualidade dos vinhos.
9.2.06
Almoço com Pablo Álvarez do Vega Sicilia
Léon
Como só amanhã teremos uma grande prova de vinhos para comentar, aproveito aqui a parte que contribui no foro de leitores do site da Jancis Robinson, numa discussão sobre biodinâmicos. Me empolguei e acabei faznedo um mini guia portátil de Léon, que ela gentilmente classificou de "cheio de atmosfera". Fiquei inchado de vaidade como um baiacu, assim que lá vai:
"Since last year's forum at Vic (in which we tasted with Ricardo Palacios and Joly himself - very funny man, indeed, mesmerizing - some "anthroposophic wines": Jacques Selosse, Coulée de Serrant, Moncerbal, Gramenon , Derain , Dominio de Atauta...)
I am planning a visit to Villafranca del Bierzo, and tried twice to get there but on both occasions it flopped (it's so far north, so difficult to reach without a car...). In March I reached León and talked with Ricardo by phone. He was waiting me, but there is one single daily bus between León and Villafranca del Bierzo, and it takes four hours to accomplish the 200 km. I had to abort the mission and return to planet earth. Last November en route to León again, I had my scheduled changed to meet that very polite man from Vega Sicilia Mr Alvarez, to visit their Pintía operation in Toro, an invitation impossible to let go, ça va sans dire. When this finally arrived Ricardo had some problems in Madrid and couldn't return from the La Guia tasting. I spent a wonderful weekend in León, just resting in that charming Castillian city.
I do recommend a visit, the most beautiful cathedral in Spain, except Cordoba, plus some so nice plazuelas, alleys, a Gothic quarter poetically called Barrio Humedo, a place with astonishing aplomb as for what it is: a centre for an empire that is not there, a void, curious place. There is a one Michelin star restaurant called Vivaldi, just average, but one of those reliable old places of ever, where you can eat a decent salad of fresh asparagus plus some grilled sweetbreads and an almond tart, called Casa Pozo and of course the impressive Parador (that I could describe, quoting you in reverse, as Vega Sicilia in stone).
I drank some interesting wines: Luna Beberide that is also Mencía and from Mariano Garcia (? I am not sure and Aalto , Quinta Quietud and Bembibre. I don't know were my notes are but I know I liked Aalto and not the others, and didn't visit the each time more unreachable vineyard. I've tasted the other wines in Barcelona with Quim Vila ( Pétalos, Corullón, San Martin, Las Lamas...).
Coincidentally Mistral [a major, family-run Brazilian fine wine importer] will present the new wines they are importing next Friday, and among them Palacios Remondo and Petalos del Bierzo and Corullon. Can't wait to read your account on Spain. I like the place more and more, if it's possible to love it more than I already do. Hope not to damage your language too much but I have to work at night because it's 34 degrees C and my brain is roasted".
"Since last year's forum at Vic (in which we tasted with Ricardo Palacios and Joly himself - very funny man, indeed, mesmerizing - some "anthroposophic wines": Jacques Selosse, Coulée de Serrant, Moncerbal, Gramenon , Derain , Dominio de Atauta...)
I am planning a visit to Villafranca del Bierzo, and tried twice to get there but on both occasions it flopped (it's so far north, so difficult to reach without a car...). In March I reached León and talked with Ricardo by phone. He was waiting me, but there is one single daily bus between León and Villafranca del Bierzo, and it takes four hours to accomplish the 200 km. I had to abort the mission and return to planet earth. Last November en route to León again, I had my scheduled changed to meet that very polite man from Vega Sicilia Mr Alvarez, to visit their Pintía operation in Toro, an invitation impossible to let go, ça va sans dire. When this finally arrived Ricardo had some problems in Madrid and couldn't return from the La Guia tasting. I spent a wonderful weekend in León, just resting in that charming Castillian city.
I do recommend a visit, the most beautiful cathedral in Spain, except Cordoba, plus some so nice plazuelas, alleys, a Gothic quarter poetically called Barrio Humedo, a place with astonishing aplomb as for what it is: a centre for an empire that is not there, a void, curious place. There is a one Michelin star restaurant called Vivaldi, just average, but one of those reliable old places of ever, where you can eat a decent salad of fresh asparagus plus some grilled sweetbreads and an almond tart, called Casa Pozo and of course the impressive Parador (that I could describe, quoting you in reverse, as Vega Sicilia in stone).
I drank some interesting wines: Luna Beberide that is also Mencía and from Mariano Garcia (? I am not sure and Aalto , Quinta Quietud and Bembibre. I don't know were my notes are but I know I liked Aalto and not the others, and didn't visit the each time more unreachable vineyard. I've tasted the other wines in Barcelona with Quim Vila ( Pétalos, Corullón, San Martin, Las Lamas...).
Coincidentally Mistral [a major, family-run Brazilian fine wine importer] will present the new wines they are importing next Friday, and among them Palacios Remondo and Petalos del Bierzo and Corullon. Can't wait to read your account on Spain. I like the place more and more, if it's possible to love it more than I already do. Hope not to damage your language too much but I have to work at night because it's 34 degrees C and my brain is roasted".
8.2.06
Malbec
Interessante artigo de Eric Asimov no NY Times sobre a Malbec, que pode ser lido aqui:
http://www.nytimes.com/2006/02/08/dining/08wine.html?_r=1&oref=slogin
A idéia não é nova, mas raramente é de fato executada em provas de vinhos, comparar Cahors e Argentina, mas o painel é um pouco acanhado com apenas 5 vinhos, teria sido melhor com uma gama mais variada de argentinos, pois já há para tudo, inclusive um pouco de terroir mendocino, patagônico e saltenho no assunto. Enfim, é um começo.
http://www.nytimes.com/2006/02/08/dining/08wine.html?_r=1&oref=slogin
A idéia não é nova, mas raramente é de fato executada em provas de vinhos, comparar Cahors e Argentina, mas o painel é um pouco acanhado com apenas 5 vinhos, teria sido melhor com uma gama mais variada de argentinos, pois já há para tudo, inclusive um pouco de terroir mendocino, patagônico e saltenho no assunto. Enfim, é um começo.
5.2.06
Canícula
(12 graus, eu era feliz e sabia...)
Sei, o blog é sobre vinhos e quase ninguém bebe vinho nesta página. Fa caldo Madame! Quando refrescar o vinho volta a ser gostoso, semana que vem teremos novidades, algumas preciosidades serão bebidas, novos vinhos do filho do Catena Zapata, uns borgonhas de estirpe, reencontro com o Petalos del Bierzo de Alvaro e Ricardo Palacios, um biodinâmico bem radical, arrancado das terras de Castilla y Léon. Mas por enquanto, quem diria, aderi ao refrigerante. Passei pelas Colas, depois revisitei o Guaraná, mas como tudo tem cafeína demais, fiquei na Fanta laranja light.
4.2.06
Bananas
Duas copas do mundo passadas, ou três (êta idade!) tínhamos um grupo de amigos que cozinhava pratos dos jogos, assim: principal de um time e sobremesa do adversário, mais ou menos dentro de umas regras (tinha umas roubadas na tabela, para ornar, senão ficava complicado comer, cardápio é como escanteio, todo mundo discute). Só que dava muito prato com banana, país pobre sempre tem prato com banana (apud Nísia). Pois hoje no NY Times apareceu um maluco que inventou um descascador de bananas, para fazer uma coisa que realmente é gostosa, "patacones", umas grandes moedas de ouro (daí o nome) feitas com banana frita. Tem até vídeo explicativo e o acesso é grátis, aqui:
http://www.nytimes.com/2006/02/01/dining/01peel.html
http://www.nytimes.com/2006/02/01/dining/01peel.html
27.1.06
26.1.06
Chauvin
No blog do (reaça) jornal ABC, o jornalista Carlos Maribona faz um comentário em boa parte equivocado sobre Alex Atala. Comentarei o artigo com detalhes, mas por enquanto fica o texto dele:
http://blogs.abc.es/index.php/gastronomia/2006/01/23/cena_brasilena
http://blogs.abc.es/index.php/gastronomia/2006/01/23/cena_brasilena
Bom neologismo
Alexandra Forbes, denodada companheira de jornalismo gastrô faz um relato engraçado do Madrid Fusión aqui e usa um termo novo para mim: o "ferranismo". Eu prefiro o "bullismo"...
25.1.06
no Bixiga
Os melhores programas são os que não estão programados. Uma visita à Basilicatta no Bixiga, numa tarde modorrenta de sábado e depois um almoço surpresa no Bassi, que foi quem ( o Wessel também) inventou a carne no Brasil. O lugar é ótimo, tinha me esquecido de lá completamente, o açougue que foi ainda aparece apesar da pátina de restaurante por cima ( e isto é um big elogio!), tem um delírio de samambaias no segundo andar digno de registro. A carta de vinhos é decentíssima, uns 100 rótulos com preços muito bem elaborados. Escolhemos um Porca de Murça, com a mémoria recente de um artigo da Jancis Robinson sobre a uva Souzão de que é feito. Vinho agradável, acho que de maceração carbônica (vou verificar) e que o garçon não teve resistência em deixar no balde de gelo por um certo tempo. O único senão eram as taças de vidro esforçado demais para ser cristal, mas ça va sans dire, não vou ser mais eno-chato que o habitual. O Porca de Murça passaria bem por um bom Beaujolais se o vin de m...ainda fosse bem feito. Acho que prefiro dizer: "Le Souzão nouveau est arrivé". Preço do vinho no restaurante: 31 reais! Baratíssimo.
Padoca, paddock
Padoca, s.f. singular, do grego inventado no feriado: pados, balcão e do latim idem docam, ração. Literalmente: ração tomada no balcão.
É o maior prazer do verão, quando os direitos humanos são claramente violados ("Todo homem tem direito a viver abaixo dos 20 graus centígrados"). Sair de casa Às 5 da manhã,antes que o sol de acetileno varra as ruas em busca de vítimas e comer uma média com pão com manteiga na padaria.
E o casamento não era pra valer
Novos no assunto vinhos ainda tratamos a bebida por Senhor, sem intimidade, cheios de dedos. Assim usamos estas palavras pomposas como degustação,análise organoléptica e falamos em aromas frutados de frutos roxos do bosque. A combinação de vinho com comida se chama "harmonização" (sem comentários...). Em espanhol a palavra muito mais divertida é maridaje (em inglês é matching, que é quase igual: acasalamento). E não é que os cientistas de Davis se meteram a provar que o acasalemento que todo mundo pensa ser o mais clássico é um blefe. Aquele mesmo: queijos e vinhos. Não é muita novidade, mas o link da notícia na Decanter está aqui:
http://www.decanter.com/news/73330.html
E os comentários de Fiona Beckett aqui:
http://www.foodandwinematching.co.uk/
Eu sempre tive a impressão que o melhor acompanhamento para vinho é vinho mesmo...mas isto fica para depois.
http://www.decanter.com/news/73330.html
E os comentários de Fiona Beckett aqui:
http://www.foodandwinematching.co.uk/
Eu sempre tive a impressão que o melhor acompanhamento para vinho é vinho mesmo...mas isto fica para depois.
23.1.06
É a economia, estúpido!
Mark Bittman comenta no NY Times a série de grandes chefs estrelados que abrem bistrôs mais baratinhos...parece que não tem mais tanta gente disposta a pagar 300 euros para comer sem vinho (no Ducasse de NY eles trazem uma bandeja de canetas para o cidadão escolher aquela com que vai assinar a "painful one" no final).
http://travel2.nytimes.com/2006/01/22/travel/22paris.html
Ainda ironizando o manifesto do Adrià, quando ele diz que todos os produtos têm a mesma dignidade independente do que custam, está mais que correto, se e quando o resultado está à altura do comentário. A salada do Andoni Luis do Mugaritz não tem preço, é fabulosa, mas as verdurinhas crúas, estilo baby carrot do Charlie Trotter são só uma desculpa para cobrar cem dólares por umas abobrinhas passadas no azeite virgem.
http://travel2.nytimes.com/2006/01/22/travel/22paris.html
Ainda ironizando o manifesto do Adrià, quando ele diz que todos os produtos têm a mesma dignidade independente do que custam, está mais que correto, se e quando o resultado está à altura do comentário. A salada do Andoni Luis do Mugaritz não tem preço, é fabulosa, mas as verdurinhas crúas, estilo baby carrot do Charlie Trotter são só uma desculpa para cobrar cem dólares por umas abobrinhas passadas no azeite virgem.
O que se come lá no fundo
Pelas postagens anteriores sobre os 21 pontos do Ferran Adriá pode ter ficado a impressão que eu não gosto dele. Errado. Gosto bastante, acho importante, decisivo, divertido. Estive com ele só uma vez, durante o Foro Gastronomic de Vic no ano passado, um sujeito sem pretensão alguma e muito simpático. Nunca ouvi no meio uma pessoa que reclamasse dele, pelo contrário, só elogios à sua generosidade. Há a ciumeira conhecida, mas pedras mesmo nenhuma. O que me parece discutível (no sentido de feito para ser debatido) é a teoria. Enfim...aproveito e ponho o link para um ótimo e único artigo de Nick Lander, crítico do Financial Times e maridão da Jancis Robinson, sobre a comida da brigada do El Bulli, é muito engraçado.
http://www.jancisrobinson.com/categories/nick/nick050924
http://www.jancisrobinson.com/categories/nick/nick050924
21.1.06
Secret Garden
Quando faz muito calor como hoje e nem o vinho dá prazer, os tantans da selva invadindo todos os poros, os helicopteros em louca cavalgada financeira das Valquirias sobre a Paulista, a confusão entre público e privado demonstrada em ruído, a prova do fracasso do Brasil como comunidade ( a inexistência quase total de parques)...fujo para meu último recurso: um livrão do Calder, não só do artista, mas do homem feliz, fazedor, bonachão, na sua casa de madeira como um urso da alegria. Calder faz bem.
20.1.06
Big
Quando eu crescer quero ser metade Adam Gopnik e metade Calvin Trillin. Estava neste desanimo pós manifesto quando fiz o que sempre faço quando estou desanimado (uma vez por semana em anos normais), passei a mão num dos 10 livros favoritos (listarei no momento adequado, quando não tiver assunto) e li o Trillin definindo a cozinha que não sabe a que veio: La Maison de la Casa House, comida caseira continental.
Muito além do jardim
Estou traduzindo o manifesto do Adriá. Numa primeira leitura me parece uma mistura de platitudes e truísmos mal alinhavados com a finalidade única de criar notícia e preparar uma volta ao pot-au-feu, como aconteceu mais ou menos na mesma altura da carreira do Bocuse. Está mais para Chauncey Gardiner, aquele jardineiro que dizia qualquer bobagem e era tido como gênio, que para um pensamento maduro de um Chef importante. Pena, porque ele podia ter ficado calado e já era o número 1. Pelo jeito esta vai ser a única revolução que termina com um manifesto, talvez o sonho perfeito dos marxistas, a prâxis iluminando a teoria, ou melhor passando sem dó por cima dela, que teoria mais pífia!
Regras
O sistema de classificação de Bordeaux é fácil de entender perto do sistema de negociação dos vinhos pelos Châteaux. Isto não pode ter sido inventado, é complexo demais, é como o rugby, ou se entende ou não, mas não se aprende. É uma forma ultra-francesa de fazer que ninguém se encontre com ninguém, que o produtor nunca veja (ou cheire) um consumidor.
Para quem não tem adega
Corri com minhas pobres garrafas para a geladeira. Sofrem menos com a trepidação que com o calor congolês (que no Congo se chama "calor brasileiro", a piada não é minha, infelizmente e nem estou para piadas neste clima). Quem inventou o calor deve estar no inferno, que aliás é quente.
Sobre narizes e clichês
Frank Prial no NY Times, a inscrição é grátis para ler o artigo e vale a pena.
http://www.nytimes.com/2006/01/18/dining/18wine.html
http://www.nytimes.com/2006/01/18/dining/18wine.html
19.1.06
Pirando no vinho
Saiu na Gula minha entrevista com M. Nicolas Joly, o mentor intelectual e agente físico da biodinâmica. Achei num papelzinho os vinhos que provamos na manhã em que ele me mesmerizou. São:
Coulée de Serrant 2001
Coulée de Serrant 1997
Domaine Gramenon La Memé 1995
Pommard Les Petits Noizons 2002 Derain
Dominio de Atauta Llanos del Almendro 2001
Corullon Moncerbal 2001
Pela cor na foto dá para sentir o que foi aquela gélida matina de Vic, os amarelinhos do Coulée eram do balacobaco. Teve um champagne biodinâmico também, Sélosse, mas não saiu na foto, era extra.
No El País de hoje
18.1.06
Guerra do Fígado
O ganso vai morrer! Arregalam os olhos e gritam as mocinhas sensíveis. Mas nós também vamos... então melhor comê-lo. Muita gente acha que foie gras é um patê. E feito de porco ainda por cima. Neste caso dá pena do ganso mesmo, morrer com esse fígado glorioso por nada e ser chamado de porco. Agora os Estados Unidos proíbem a coisa, dizendo que é pouco higiênica... está declarada a guerra do fígado.
Rolou um stress, um dos prazeres mais unanimemente cultuados na boa mesa está sendo alvo de protestos e baixarias. Quem ousa falar em cozinhar ou comer estas duas inocentes palavrinhas francesas: foie gras, arrisca-se a ter seu nome empastelado, sua caixa de e-mails repleta de apopléticos vitupérios. Na Califórnia, no ano passado, um chef francês teve que se mudar de cidade, porque recebia ameaças pelo telefone e uma fita de vídeo pelo correio, mostrando o movimento de seus filhos, que iriam "ser seqüestrados e ter seus fígados inchados por superalimentação" se continuasse a produzir pratos com a iguaria. Curioso mundo este. Ninguém se preocupa muito em sair no seu carro individual, atravancando as ruas e poluindo a atmosfera, mas matar um ganso! Crime contra a humanidade...
E de onde vem o barulho? GLUPT conversou com produtores nacionais. Um deles, Marcondes Moser, tem estado nas barricadas em defesa do produto. No mercado há alguns anos, comercializando vários tipos de aves ("nosso carro chefe é o marreco, prato típico do estado de Santa Catarina, onde fica nossa empresa") ele tem sido o alvo mais freqüente dos eco-histéricos. Sua resposta é sempre educada e objetiva, em lugar de brigar ele argumenta, mesmo sendo bem claro que com estas pessoas não há muito que se racionalizar. Explica pacientemente: "o ganso não está doente, se estivesse não poderíamos consumi-lo. O fígado acumula gorduras num processo natural para atravessar as migrações e os rigores do inverno". Ou seja, todo ganso naturalmente faz uma auto-engorda (ao contrário dos humanos que pensam em dietas o tempo inteiro) para os meses de privações e necessidades energéticas maiores. Só que são abatidos nesse auge, antes de migrarem, e (nham) são comidos, o mais sublime dos alimentos. O que o criador faz é simular e estimular esse processo em cativeiro. O mais importante é notar que o aumento exagerado do fígado por acúmulo de gorduras só se dá alguns dias antes do abate e não, como sofrem em pesadelos as pessoas nervosas e hipersensíveis, durante toda a vida dos bichos. Mas militante muitas vezes não quer escutar, pois precisa acreditar. Se ficarem convencidos de que os gansos não sofrem mais do que uma alface para morrer, permitindo-se esse imenso prazer de comer seu foie, terão que buscar outra causa, a libertação dos chicletes, a humanização da fritura dos pobres pastéis, a crueldade do microondas, coisas do gênero. Mas isto está na esfera da psicopatologia, nós estamos na da gastronomia. Não querem comer foie gras? Melhor, sobra mais para nós. Não há hoje grande chef que não inclua um prato de foie gras no seu cardápio. Escolhemos um mais clássico, o proprietário do Le Violon d’Ingres, para dar duas receitas bem simples, em que os fígados são mais respeitados e não recebem excessos de adereços que mascarem sua única e irrepetível qualidade de delícia.
São receitas do Chef Christian Constant, ligeiramente adaptadas para os leitores brasileiros. Ressaltando que o melhor do produto é fazer de tudo para manter sua inigualável textura. O ganso já morreu, seu fígado é um dos grandes acontecimentos gastronômicos do planeta.
Quanto mais simples melhor
Quanto mais simples melhor.
Há certas coisas que já estão prontas e a simples adição do que seja tem que ser muito planejada e com muita moderação para não desequilibrar a perfeição. As ostras, por exemplo, dispensam quase tudo, exceto um suspiro, uma garoa delicada de limão. E o foie gras. Por isto damos duas receitas em que o produto é praticamente comido in natura.
Confit de foie gras
Como um fígado inteiro é generoso, pode ser usado para a receita acima e depois transformado em confit, para que a sobra seja conservada. Um confit nada mais é que uma carne cozida lentamente em gordura. Basta mergulhar o foie em gordura (de pato ou ganso) e levá-lo ao fogo baixíssimo, em banho-maria. A temperatura nunca deve ser alta, o limite sendo o calor que ainda conseguimos suportar com nossa mão nua. O foie irá também perder uma parte de sua gordura no processo. Com um palito se pode testar o interior da peça. Se já estiver cozido, sem sangue algum, está pronto. Deixa-se esfriar e guarda-se na própria gordura que o envolve. Isto faz com que dure mais, processo velho conhecido no interior da França (e do Brasil), em locais onde não havia geladeiras. No dia e hora de comer basta aquecê-lo delicadamente e utilizá-lo em alguma preparação culinária.
Foie gras
Foie gras em carpaccio
Esta é a mais simples das receitas. O foie gras depois de limpo (é necessário tirar o fel, para que não fique amargo) é colocado numa vasilha de louça e coberto com sal grosso e generosas pitadas de pimenta-do-reino moída na hora. Deve ser deixado aí, tampado e na geladeira, por um tempo mínimo de 4 horas, o ideal sendo uma noite inteira. Depois disso é só lavá-lo bem, ele terá aproveitado a quantidade exata de sal que precisa, nada a mais. Finalmente fatiá-lo finamente e comê-lo com torradas e um vinho branco doce, se possível um cálice de Sauternes, Tokaji ou do excelente Cosecha Tardia Chivite.
Esta é a mais simples das receitas. O foie gras depois de limpo (é necessário tirar o fel, para que não fique amargo) é colocado numa vasilha de louça e coberto com sal grosso e generosas pitadas de pimenta-do-reino moída na hora. Deve ser deixado aí, tampado e na geladeira, por um tempo mínimo de 4 horas, o ideal sendo uma noite inteira. Depois disso é só lavá-lo bem, ele terá aproveitado a quantidade exata de sal que precisa, nada a mais. Finalmente fatiá-lo finamente e comê-lo com torradas e um vinho branco doce, se possível um cálice de Sauternes, Tokaji ou do excelente Cosecha Tardia Chivite.
17.1.06
Entrevista com David de Jorge
David de Jorge é um dinamo basco, cozinheiro que já foi eleito "O melhor da Espanha", companheiro de criação e invenção de Andoni Luis no Mugaritz e idealizador de montes de coisas para o grupo Berasategui, desde receitas até livros e cardápios. Autor de "A cocinar", um livro de receitas para serem executadas em casa, sem problemas, sem complicações e sem esnobismos. Aqui David faz um pingue-pongue rápido com GLUPT:
G: Vc acredita que podemos falar numa "Geração Berasategui"?
DJ: É verdade que Martin [Berasategui], sem dúvida alguma, possibilitou a muitos cozinheiros poder se expressar. Uma grande virtude dele, que poucos copiaram. Como se sabe os cozinheiros acendem facilmente a grande fogueira das vaidades e a generosidade não é um ingrediente que escapa do fogo...
G:O que vc mais gosta? Inventar uma receita nova, aperfeiçoar uma antiga ou recriar uma clássica?
DJ: O que eu mais gosto é de cozinhar, sem limites e sem me deixar levar pelos modismos, fazendo o que dá vontade em cada momento e perguntando aos convidados o que querem comer.
G: Como autor de um livro muito especial sobre a cozinha de todosos dias, o que cozinharias para:
Hoje:
DJ: Algo bem quente, uma sopa de choriço e uma carne com salada, cortada bem fina e com molho de mostarda muito picante.
Amanhã:
DJ: Comerei frutas, bem frescas e iogurte.
No seu aniversário:
DJ: Uma sopa de peixe e muito vinho.
Num dia de muito calor:
DJ: Gazpacho e muita água
Num dia muito frio:
DJ: Carne assada e salada.
Que é melhor para comer alegre?
DJ:Com alegría tudo tem melhor sabor. Escolheria algo que não como habitualmente, para começar a me habituar.
E triste?
DJ:Quando se está triste, é melhor se refugiar na bebida que na comida.
G:Quais os seus líquidos favoritos?
DJ: A água e o vinho
G: E os sólidos favoritos?
DJ:uma mulher, hehe.
G:Dá para desenhar neste minuto, com caneta ou com o mouse, o que está comendo agora? (sempre peço isto às pessoas, sempre é muito divertido).
DJ: Olha, nunca fui bom em desenho, mas te dou a autorização para que desenhe em meu nome 4 biscoitos de trigo e 2 potes de iogurte natural, que foi o que comi na hora do almoço.
16.1.06
The real thing
The name is Bolli, Bollinger. A favorita do 007, da chefe dele, a Rainha, das AbFabs e...minha. Só ontem, depois de tantas décadas, num almoço inesquecível (como todas as coisas do genero inesquecíveis, será deletado em alguns meses) com o diretor da Maison, Monsieur Philippe Menguy, descobri que tudo que bebi até hoje sob o nome champagne não passava de espumante, pobre da Viuva Cliquot, pobre do querido monge beneditino Pérignon. Este o vinho de champagne verdadeiro, suco de Pinot Noir encorpado, austero, convincente. Uvas Grand Cru e Premier Cru, quer dizer, de parcelas de terra demarcadas, selecionadas, escolhidas, algo que produziria um grande borgonha tinto, se a opção fosse esta. E mesmo atrás de uma camada de Chardonnay a alma tinta está presente. Nada de explosões de alegria gratuita, mas uma felicidade interna crescente, algo como o nirvana. Nada de bolhas profusas, mas um fio fino, quase inexistente de micro-borbulhas, não diria pérlage, pérolas são grandes, diria mesmo mera agulha, cadeia de atómos. Quanto mais foi avançando o evento, e a qualidade e tempo de guarda das garrafinhas, mais a coisa foi ficando cheia de gravitas. Começamos com a jovem tímida e caladona, mas de trato amável, a Special Cuvée Brut. Depois trocamos umas palavras com a irmã mais velha, mais culta, interessante, Grand Année Brut 95. No final conseguimos alcançar o máximo, fomos admitidos à presença da própria e sábia senhora, uma R.D. Extra Brut 90. Isto mesmo, 1990, quinze anos de espera para ser engolida com um suspiro de contentamento. Ainda muito fresca devido à acidez tão presente, mas amarelo ambar, cheiro de confeitaria quente num dia de inverno, sabor amendoado (no sentido de amendoas e no de algo oblíquo também). Esta bebida peculiar, afastadissima da exuberancia celebratória dos seus pares, parece mais...parece...não sei, parece com ela mesma, uma Bollinger que fica macerando e envelhecendo na própria borra por todos estes anos até ser recentemente degolada, numa tradução literal do R.D. do rótulo. O nome é Bollinger, pronuncia-se Bô-lân-gê, mas isto se a língua ainda conseguir se mover.
Sobre a elegancia
1.Never brown in town
2.até 17 horas: ternos claros
3.depois das 17 horas: ternos escuros
4. preto é para luto, mafiosos e audiências no Vaticano
5.branco para bicheiros e quem está nas Bahamas
6.Nunca comer pão com garfo
7. Bêbado é quando não se consegue dar um double Windsor knot
8. Não mencione.
9. Não importa quanto custou.
10.Melhor não tocar no assunto.
11. Sendo Príncipe de Gales pode tudo
12.Never explain
13.Never complain
14. Gravata é um assunto sério
15.Não intua. Não conclua...
2.até 17 horas: ternos claros
3.depois das 17 horas: ternos escuros
4. preto é para luto, mafiosos e audiências no Vaticano
5.branco para bicheiros e quem está nas Bahamas
6.Nunca comer pão com garfo
7. Bêbado é quando não se consegue dar um double Windsor knot
8. Não mencione.
9. Não importa quanto custou.
10.Melhor não tocar no assunto.
11. Sendo Príncipe de Gales pode tudo
12.Never explain
13.Never complain
14. Gravata é um assunto sério
15.Não intua. Não conclua...
alguns pontos de vista
Palavras e atitudes do GLUPT:
1. As palavras degustar, degustação não são aceitas. Os vinhos são provados, experimentados ou bebidos.
2.A palavra genial não é boa, ninguém é genial, toda mundo, um dia, erra no sal.
3. O GLUPT rejeita qualquer tipo de classificação por estrelinhas, pontos, notas. A classificação aceita é : "gostei, não gostei, adorei, me lambuzei, bebi tudo, péssimo, excelente, valeu a pena, não vou nem morto, pergunta quando eu volto ali". E variações.
4. GLUPT não gosta da palavra isolada Parker, ou em conjunto, da palavra Robert seguida pela palavra Parker, principalmente quando as duas são seguidas por uma nota.
5. GLUPT aceita convites para jantar, vinhos para beber, viagens e outros mimos, mas igualmente o estabelecido no item 3, isto não impede nem altera as opiniões do blog, apenas ajuda um pobre blogger a ter acesso ao que nunca teria.
1. As palavras degustar, degustação não são aceitas. Os vinhos são provados, experimentados ou bebidos.
2.A palavra genial não é boa, ninguém é genial, toda mundo, um dia, erra no sal.
3. O GLUPT rejeita qualquer tipo de classificação por estrelinhas, pontos, notas. A classificação aceita é : "gostei, não gostei, adorei, me lambuzei, bebi tudo, péssimo, excelente, valeu a pena, não vou nem morto, pergunta quando eu volto ali". E variações.
4. GLUPT não gosta da palavra isolada Parker, ou em conjunto, da palavra Robert seguida pela palavra Parker, principalmente quando as duas são seguidas por uma nota.
5. GLUPT aceita convites para jantar, vinhos para beber, viagens e outros mimos, mas igualmente o estabelecido no item 3, isto não impede nem altera as opiniões do blog, apenas ajuda um pobre blogger a ter acesso ao que nunca teria.
12.1.06
Da série dos Chefs imaginários
Era uma quatrocentona de oitocentos anos, porque as origens voltavam e voltavam até quase tocar o elo perdido. Num sopetão ficou paupérrima, vendeu as sévres, os gobelins, os baccarat, os fabergé, o haras e a fazenda de papai, que tinha café. Sobrou uma finíssima bomboniére, dita como tendo pertencido aos romanoff. Sobrou também a empáfia. Mudou-se, num eufemismo delicado, para a Praça da República, para um banco da praça. E ficava lá fazendo pose, enquanto a pose conseguiu se manter. Com umas caixas de uva (a melhor madeira para queimar) fazia uma fogueirinha e numa lata de gordura de coco cozinhava o seu grande segredo: o parfait de marrons praliné. Como conseguia seus ingredientes? Tinha dois doadores anônimos, antigos admiradores dos tempos da juventude áurea, falidos também, mas com modestas pensões que lhes garantiam um teto. E eram viciados, vidrados, fascinados por aqueles parfait. Fazia uma dúzia para cada um deles e o que sobrava guardava na bomboniére. E dava para os passantes, mas só para os que julgava elegantes, só para os homens e somente para os que tinham impecáveis sapatos pretos bem lustrosos. Tinham que ser distintos, com cara de gente educada à suíça. Um deslize , uma meia de cor equivocada, uma gravata mais chamativa, como de publicitários e arquitetos e ela já recolhia rapidamente a mão com o docinho e marcava para sempre o cidadão como indigno de seus mimos. Ficou lá muito tempo, dizem, até que a bomboniére se quebrou. Desde então os homens têm andado cada vez mais mal vestidos...
Ensinando receitas para uma lebre morta
para J.Beuys
Ontem, vendo um filme de Woody Allen na TV, lá pelas tantas ele constata que os animais são cruéis, comem uns aos outros com um despudor de mandato bíblico. Uma espécie de Comei-vos uns aos outros. E conclui: "a Natureza é um imenso refeitório". Pois se é assim estarei perdoado por ter cozinhado o Felipe. Eu já ouvi muitos casos de crianças que comeram sem saber (ou sabendo)suas galinhas, perus e patinhos. O bicho fica lá na casa engordando, as pessoas tomam afeição, mas chega sempre o dia em que a afeição vira refeição. Meus bichos de estimaçao sempre foram gatos, assim que AINDA não tive a experiencia de comer um amigo. Foi então que me telefonaram e contaram a história: o Felipe - um coelhinho branquinho, dos filhos do casal - o cachorro matou numa dentada. Não destruiu nem nada, "está aqui inteirinho, ficamos com pena de jogar fora". A prima me diz que bicho morrido de morte matada pode ser comido, de morte morrida não. E lá fui para transformar o Felipe em arroz. Fazia um tempo eu queria fazer um arroz da maneira campestre, na lenha de uma fogueira. Explico que "los arroces" são o nome genérico do que chamamos paella, naquele país de países que chamamos Espanha. Paella é apenas a palavra catalã para panela, e o arroz que se cozinha nela. A que se chama valenciana leva, ao contrario do que se pensa, enguias, cogumelos selvagens, favas e caracóis e ...coelho. Depois há toda a variação, com alcachofras, perdizes, aspargos, até chegar na nossa conhecidissima com mexilhoes, lulas, galinha, costelinha de porco. Quando cheguei houve um certo constrangimento, culpas e arrependimentos, os pais já algo sem graça pela historia, mas então o decidido a não desperdiçar a oportunidade era eu. Sei que deve ter gente se perguntando: oportunidade de que? Afinal tem coelho em qualquer supermercado, já limpo e pronto para a panela. Mas eu estava atrás era do quintal e da fogueira, nesta cidade de apartamentos e proibições. O coelho era o pretexto. Depois de muito sussuro para os meninos não perceberem o que seria o jantar começamos a fazer uma fogueira bonita, com galhos de goiabeira e outras madeirinhas combustiveis. Ficou muito bom, considero a melhor que já fiz e dou aí umas indicações para quem tiver o espaço e a liberdade para este gesto primal de cozinhar na brasa de uma fogueira de verdade, no chão bruto.
Como cozinhar o Felipe:
Eu usei uma paella de quase 50 cms de diametro, para 1 quilo de arroz. As brasas tem que ter o mesmo diametro, porque o grande segredo é não mexer o arroz depois de tudo juntado lá. ...depois termino.
Ontem, vendo um filme de Woody Allen na TV, lá pelas tantas ele constata que os animais são cruéis, comem uns aos outros com um despudor de mandato bíblico. Uma espécie de Comei-vos uns aos outros. E conclui: "a Natureza é um imenso refeitório". Pois se é assim estarei perdoado por ter cozinhado o Felipe. Eu já ouvi muitos casos de crianças que comeram sem saber (ou sabendo)suas galinhas, perus e patinhos. O bicho fica lá na casa engordando, as pessoas tomam afeição, mas chega sempre o dia em que a afeição vira refeição. Meus bichos de estimaçao sempre foram gatos, assim que AINDA não tive a experiencia de comer um amigo. Foi então que me telefonaram e contaram a história: o Felipe - um coelhinho branquinho, dos filhos do casal - o cachorro matou numa dentada. Não destruiu nem nada, "está aqui inteirinho, ficamos com pena de jogar fora". A prima me diz que bicho morrido de morte matada pode ser comido, de morte morrida não. E lá fui para transformar o Felipe em arroz. Fazia um tempo eu queria fazer um arroz da maneira campestre, na lenha de uma fogueira. Explico que "los arroces" são o nome genérico do que chamamos paella, naquele país de países que chamamos Espanha. Paella é apenas a palavra catalã para panela, e o arroz que se cozinha nela. A que se chama valenciana leva, ao contrario do que se pensa, enguias, cogumelos selvagens, favas e caracóis e ...coelho. Depois há toda a variação, com alcachofras, perdizes, aspargos, até chegar na nossa conhecidissima com mexilhoes, lulas, galinha, costelinha de porco. Quando cheguei houve um certo constrangimento, culpas e arrependimentos, os pais já algo sem graça pela historia, mas então o decidido a não desperdiçar a oportunidade era eu. Sei que deve ter gente se perguntando: oportunidade de que? Afinal tem coelho em qualquer supermercado, já limpo e pronto para a panela. Mas eu estava atrás era do quintal e da fogueira, nesta cidade de apartamentos e proibições. O coelho era o pretexto. Depois de muito sussuro para os meninos não perceberem o que seria o jantar começamos a fazer uma fogueira bonita, com galhos de goiabeira e outras madeirinhas combustiveis. Ficou muito bom, considero a melhor que já fiz e dou aí umas indicações para quem tiver o espaço e a liberdade para este gesto primal de cozinhar na brasa de uma fogueira de verdade, no chão bruto.
Como cozinhar o Felipe:
Eu usei uma paella de quase 50 cms de diametro, para 1 quilo de arroz. As brasas tem que ter o mesmo diametro, porque o grande segredo é não mexer o arroz depois de tudo juntado lá. ...depois termino.
O chef lacaniano
Ele é elegante, seu jaleco é Armani e é cor de vinho, nada de branco convencional. Tem um garfo tatuado nas costas da mao esquerda e uma faca na mao direita. Tem um piercing com um saleiro num mamilo e um pimenteiro no outro, com sal e pimenta dentro! Arremata os pratos na mesa, tempera um pouqinho com estes instrumentos pendentes. Ninguem decide nada, ele olha a cara do cliente e interpreta: "le fantôme voilá le symptôme, saint-pierre grillé para voce!", ou: "eu sou o que cozinho, eu cozinho o que eu sou!" declara enquanto confere a assinatura no cheque do cliente. Todos os pratos são caros, mesmo o café é caro. "todo mundo gosta de comida cara, quem sai quer gastar muito, para mostrar poder". No fundo do restaurante tem um armarinho, ele vai várias vezes durante a noite até lá, enfia a cabeça e sai cafungando. São colheradas e colheradas de sua perversao secreta: geleia de mocotó sabor abacaxi.
Variações sobre o colecionador incógnito
Pela coleção se julga o colecionador.
O colecionador é bem obsessivo.
O colecionador é mesquinho com dinheiro.
O colecionador tem alguma erudição.
O colecionador tem um pensamento circular.
O colecionador é muito meticuloso.
O colecionador é algo vaidoso.
O colecionador é capaz de tudo.
O colecionador pertence ao objeto.
O colecionador já está criando uma barriguinha.
O colecionador nunca está satisfeito.
O colecionador tem as mãos trêmulas.
O colecionador só escreve a lápis.
O colecionador usa roupas folgadas.
O colecionador tem tonteiras freqüentes.
O colecionador não gosta de conversar.
O colecionador não gosta de computadores.
O colecionador não gosta de competidores.
O colecionador não gosta de ninguém.
O colecionador sofre de melancolia.
O colecionador come sanduíches, porque é mais rápido.
O colecionador não tem tempo a perder.
O colecionador tem pretensões.
O colecionador não fala idiomas estrangeiros.
O colecionador fuma, esporadicamente.
O colecionador bebe, com alguma freqüência.
O colecionador viaja, freqüentemente.
O colecionador precisa de óculos.
O colecionador tem problemas na coluna.
O colecionador dorme bem, mas não sonha.
O colecionador não tem biografia.
O colecionador está sempre atento.
O colecionador é persuasivo.
O colecionador prefere desconversar.
A coleção só acaba quando termina.
A coleção atrai muitos predadores.
A coleção acumula poeira.
A coleção provavelmente se dispersará.
A coleção não recebe a atenção que merece.
A coleção nunca se viu inteira.
A coleção ocupa espaço.
A coleção ocupa muito espaço.
A coleção ocupa todos os espaços disponíveis.
A coleção não é fácil de conservar.
A coleção demanda muitos recursos.
A coleção não é fácil de transportar.
Só a coleção é permanente na vida do colecionador.
O colecionador envelhece e morrerá.
A coleção perece e desaparecerá.
O colecionador colecionará até a morte.
Um dia no campo
Oito da manhã no intenso frio do inverno da plácida e linda Montevidéu. Daniel Pisano me pega no hotel para visitarmos vinhedos. No carro o patriarca da família, César Pisano, diz que "saiu para dar uma voltinha". Paramos no campo, numa pequena elevação da qual se podem ver todas as áreas de plantação. Daniel vai animadamente explicando: aqui temos Pinot Noir, ali Tannat, ali Cabernet Sauvignon...O sol mal apareceu, a grama está úmida e gelada, as videiras dormem o seu sono de frio, mas a atividade do homem continua em torno delas e para seu benefício. Houve a poda, agora as ramas são dirigidas para busca de melhor insolação e arejamento, evitando pragas e podridão. No meio do campo está Eduardo Pisano, encarregado dos vinhedos. Ele supervisiona no momento esta "amarração" das ramas, usando vime, que depois será tragado pelo solo, sem contaminação. Todo o trabalho dos Pisano é orgânico, o fértil solo da região de Canelones e Progreso dispensa fertilizantes, os pesticidas são desnecessários pela própria manutenção de um balanço ecológico, em que insetos "bons" combatem os "indesejáveis". Os vinhos e os vinicultores agradecem. Cesar Pisano só reclama das lebres que comem suas rosas, ele gosta de plantar rosas no inicio de cada fileira de vinhas. Daniel dirige o carro com uma mão e gesticula com a outra, ensinando todo o processo, enquanto manobra para por e tirar seus dois pares de óculos que pendem do pescoço ("uma para ver mulheres feias e outro para as bonitas". Como se nota ele olha todas...). Não sossega enquanto não acha um local em que o solo se exiba por inteiro, com suas pequenas pedrinhas calcárias típicas da região. Nesta altura já estamos cobertos de barro até quase os joelhos. Só então me ocorre perguntar se tem cobras por ali. "Claro! Eu já fui picado quando cortava bambus para fazer estacas", diz impassível. Ele não quer me mostrar só os seus vinhos e como são feitos, quer que eu entenda o país, que coma a carne de Hereford, mais firme e mais saborosa que as nossas e a Argentina, quer que entenda como são tomadas as decisões dentro de uma empresa familiar, quer me explicar o terroir (expandindo o conceito e enfiando todo o Uruguai dentro dele). Parece incansável neste esforço, vamos ao Café Brasileiro, tradicional café de tertúlias, ao porto, ao cerro ver a cidade de cima, até mesmo ao estádio Centenário. É verdade que nada disto tem a ver com vinho diretamente, mas se o vinho é fruto do lugar, eis o lugar é o que me diz. Na sede da empresa, uma agradável casa cor de salmão com tijolos aparentes, no significativo lugarejo chamado "Progresso" visitamos a sala de barricas, mais algumas parcelas de uvas, onde está a famosa 1ª viña que dá nome ao seu mais conhecido vinho e nos encontramos com Gustavo, o enologo, que me mostra as primeiras Harriague (as mudas mais antigas de Tannat, trazidas pelos imigrantes) algumas quase centenárias. São mantidas ali mais por tradição pois significam a continuidade do trabalho. Provamos dos vinhos que terminam seu estagio em barrica, dois diferentes Pinot Noirs, alguns Tannat, um Merlot, Petit Verdot, Cabernet Franc. Apesar de vinhos muito jovens já mostram um caráter bastante forte neste inicio de vida e prometem, como prometem estes vinhos! No almoço de carnes grelhadas, na própria cantina, rodeados por fotos e lembranças da longa viagem destes Pisano e Arretxea da Itália e do Pais Basco até este pedacinho da America do Sul, que é uma metáfora também da mesma trilha da Harriague/Tannat que nasceu difícil no Madiran e encontrou seu desenvolvimento e lugar no Uruguai. Comemos alguns dos miúdos mais cobiçados do mundo, mollejas (timo de vitela, o ris de veau francês), chotos (intestino delgado de cordeiro) e chinchulines (intestino grosso) e uma degustação vertical informal de 1a Vina Tannat, vinho emblema do país, único rotulo uruguaio a aparecer no Atlas Mundial do Vinho de Hugh Johnson e Jancis Robinson. Mesmo não sendo pensado como um vinho de guarda, surpreende como continua vivo e fresco desde a safra mais antiga que têm estocada. Um espumante de Torrontés mata a sede e mostra a versatilidade pouco explorada desta uva. Quando já aparecia no céu uma lua imensa e a temperatura voltava a cair bastante apareceu o vinho do sobrinho, porque a novíssima geração (a quinta) de Pisanos, capitaneada por Gabriel Pisano (21 anos) inventou um vinho, e Daniel conta que a cada passo dizia: "tudo bem, vamos desperdiçar alguns litros de Tannat...mas deixa eles". E depois: "tudo bem, vamos gastar umas barricas de carvalho francês novas, mas deixa os meninos fazerem experiências". Dali saiu o Etxe Oneko, licor de Tannat, uma mistura implausível entre um Porto e um Amarone, denso, frutado, bastante ácido, muito sutil mas muito presente, capaz de enfrentar sem medo sobremesas adocicadas e um queijo azul. O tio Daniel acaba por admitir: "tenho muito orgulho de meu sobrinho, ele sabia o tempo todo o que estava fazendo". Mais um Pisano que sabe.
vácuo
O horror ao vazio barroco era uma atitude estética, cujo resultado ainda é agradável até hoje, mesmo que dê a "síndrome de cansaço do baixo-contínuo" em algumas pessoas mais sensíveis. Atualmente tenho percebido (suportado descreveria melhor) uma espécie de horror vacui moral, em que a necessidade de preenchimento de todos os espaços (sonoros, visuais, etc) é mais para evitar olhar para o interior cheio de ar de cada um. Estou quase pedindo: desliguem este oco intelectual aí que eu quero pensar!
O livro da Sandrine
Comprei o livro que Sandrine não gostou. Eu queria muito, ela largou na página 10. Não sei a razão, talvez porque ela fume tanto e o livro ficasse escorregando enquanto ela tentava alcançar o maço de Gitanes na cabeceira. Ou leu no metrô um pouco e quando chegou em casa se arrependeu da compra. Sandrine usa um perfume bem clássico, com um fixador tremendo. O livro atravessou o Atlântico, passando pela casa da mãe do Dominique em Grenoble. Sandrine deve tê-lo comprado na Fnac, mas conseguiu vendê-lo para mim pela Amazon. Cada vez em que abro o livro o cheiro de cigarro e perfume de Sandrine está presente. Penso se ela estará contente com os 6 euros que recebeu. Eu estou contente com o livro. Mas acho que Sandrine podia tentar largar o cigarro, ou fumar menos.
Conceito
Tenho umas destas luzes, coisas que se lê e prova e só num momento fazem a digestão no cérebro. De repente entendo a diferença entre terroir e tipicidade. Mesmo com Raffaele Cani da Santadi me dizendo, brincando é claro, que até a igreja bizantina que fica no caminho da bodega, na Sardenha, entra no vinho, o que seria uma visão de "obra de arte total" do conceito de terroir...Mas entendo hoje assim: terroir é geologia, mais que tudo. Tipicidade é geografia.
Erosão humana
É preciso sempre tirar uma colher de areia da base da estátua do líder (ídolo, autoridade, governo, chefe, you name it). Uma colher cheia. Isto em décadas (anos, séculos, milênios...etc) irá derrubá-la.
por aí
Gosto de cidades que estão meio ou totalmente fora de foco, mas que tenham frio e umidade. Nunca moraria em Nova York, cidade já ressecada pelo olhar, elegeria Baltimore. Mas muito mais interessantes seriam Montevideu, Trieste, Bratislava ou Léon. Barcelona cansou, está exausta de si mesma (ainda tem recuperação...). Aqueles locais que Jan Morris disse serem "the meaning of nowhere" como Trieste. No Brasil, não sei, talvez Caxias do Sul.
Espanha 1
Graham Greene, em suas viagens anuais à Espanha, pedia ao motorista que parasse em qualquer hospedaria de beira-de-estrada e que perguntasse se tinha Marques de Murrieta. Se a resposta fôsse sim, o escritor inglês descia do carro e se hospedava lá. Para mim seria o Remelluri, onde há, posso ficar. Mauro também. Contino del Olivo também. Não há vida inteiramente feliz fora destes vinhos e aqui, vamos enganando.
Uma experiência atordoante
(em saudosa memória do refinamento)
Uma loja de comida inaugura uma ala nova. Esta frase parece conter intermináveis possibilidades de prazer, a língua estalando pelos sabores, a saliva escorrendo em profusão. Mas na verdade o que experimentei foi uma espécie de inferno branco e super iluminado. Você enfrenta o transito horrível e chega a um arremedo de Harrods (que já é por si mesma um arremedo de Harrods faz tempo...). E aparece então a figura trágica do manobrista, este caronte da contemporaneidade. A coisa começa assim. Te empurram para um ambiente estranho, um lugar em que todos os homens estão de preto, todas as mulheres estão louras tintas, todo mundo é muito feio, exceto os garçons. Há muita comida, mas a ansiedade não abre o apetite. É uma cirurgia, com anestésico insuficiente. Você vai andando meio às tontas, bombardeado pela oferta absurda de produtos, desviando com cuidado de algum mogul da indústria, ou de algum "bolso-fundo" diretor de empresa, estas pessoas que parecem bonecos e que são empurradas daqui para ali pelos seus guarda-costas sextavados. Te servem champagne de forma muito errada, a espuma que transborda da taça, morna como uma tarde em Caruarú.
Há um crescente clima de irrealidade, uma espécie de moto-perpetuo do baile da Ilha Fiscal, mazurca fixa. Tam-tam-tam nos ouvidos, será musica, ou será a enxaqueca? Como te empurram! Ninguém jamais pede licença, ninguém jamais pede desculpas. Todas as frases são inacabadas, mas não importa nem um pouco. Os hooligans pelo menos não usam perfumes tão caros e tão fortes. E nem tentam falar.
Pelos cantos a comida envergonhada se esconde, foie gras caríssimo, suspirando saudoso pelo ganso cevado a que pertenceu um dia. Pobre salmão congelado, onde estará tua liberdade de rio gelado canadense?
Em qual goela exótica desaparecerá arfe-arfe o frio jerez envelhecido?
Na saída a vingança. Não se para o país com greves, com manobristas sim. Todos os ternos pretos e a finas paulistanas perdem as estribeiras, aqui fora não há champagne morna, há só um olhar meio pasmado dos transeuntes, um ou outro mendigo de película e a angustiante espera pelo carro que não chega. Do lado de fora o medo, do lado de dentro o tédio, o risco de pisoteamento, o assalto continuado do pedantismo gastronômico. E o prazer?
Uma loja de comida inaugura uma ala nova. Esta frase parece conter intermináveis possibilidades de prazer, a língua estalando pelos sabores, a saliva escorrendo em profusão. Mas na verdade o que experimentei foi uma espécie de inferno branco e super iluminado. Você enfrenta o transito horrível e chega a um arremedo de Harrods (que já é por si mesma um arremedo de Harrods faz tempo...). E aparece então a figura trágica do manobrista, este caronte da contemporaneidade. A coisa começa assim. Te empurram para um ambiente estranho, um lugar em que todos os homens estão de preto, todas as mulheres estão louras tintas, todo mundo é muito feio, exceto os garçons. Há muita comida, mas a ansiedade não abre o apetite. É uma cirurgia, com anestésico insuficiente. Você vai andando meio às tontas, bombardeado pela oferta absurda de produtos, desviando com cuidado de algum mogul da indústria, ou de algum "bolso-fundo" diretor de empresa, estas pessoas que parecem bonecos e que são empurradas daqui para ali pelos seus guarda-costas sextavados. Te servem champagne de forma muito errada, a espuma que transborda da taça, morna como uma tarde em Caruarú.
Há um crescente clima de irrealidade, uma espécie de moto-perpetuo do baile da Ilha Fiscal, mazurca fixa. Tam-tam-tam nos ouvidos, será musica, ou será a enxaqueca? Como te empurram! Ninguém jamais pede licença, ninguém jamais pede desculpas. Todas as frases são inacabadas, mas não importa nem um pouco. Os hooligans pelo menos não usam perfumes tão caros e tão fortes. E nem tentam falar.
Pelos cantos a comida envergonhada se esconde, foie gras caríssimo, suspirando saudoso pelo ganso cevado a que pertenceu um dia. Pobre salmão congelado, onde estará tua liberdade de rio gelado canadense?
Em qual goela exótica desaparecerá arfe-arfe o frio jerez envelhecido?
Na saída a vingança. Não se para o país com greves, com manobristas sim. Todos os ternos pretos e a finas paulistanas perdem as estribeiras, aqui fora não há champagne morna, há só um olhar meio pasmado dos transeuntes, um ou outro mendigo de película e a angustiante espera pelo carro que não chega. Do lado de fora o medo, do lado de dentro o tédio, o risco de pisoteamento, o assalto continuado do pedantismo gastronômico. E o prazer?
O adeus ao detetive
"España son sus gentes, no sus límites geopolíticos"
Quando li que Montalban tinha morrido me veio à cabeça imediatamente a idéia de escrever sobre ele para algum lugar de gastronomia, exercitando a arte (qause) perdida do necrológio. Uma decisão meio estranha, se pensarmos que era um autor de romances policiais, antes de tudo. Mas seu personagem mais famoso, o detetive Pepe Carvalho, entre uma e outra investigação de assassinato cozinhava, comia, pensava e discutia sobre gastronomia. E de tal forma e com tanta frequência que teve uma livro publicado em que todas as receitas aparecidas nos outros foram reunidas, "Las recetas de Carvalho". A morte de um escritor é desconcertante, todas as mortes o são, mas os escritores deixam livros. A Barcelona que eu amo, a que Carvalho-Montalban frequentava já quase desapareceu por completo, durou o período entre o fim do franquismo e o desenfreado nouveau-richisme atual. Já não existe quase nada do Barri Xino, do Raval, daquela boemia errante e descaradamente celebratória da liberdade, depois de quatro decadas de chumbo. Alguém disse recentemente que boemia é sobre tolerancia, que as cidades são cada vez menos assim. Nem mesmo sei se ainda existe o El Raim, um minusuculo restaurante da Ribera, onde se comia em quatro mesas, redondas e compartilhadas pelos fregueses, e onde fiz algumas de minhas mais queridas refeições, pezinhos de porco, cabrito assado com batatas, embutidos feitos lá mesmo, pão, vinho da casa, postre de music, café e depois uma caminhada meio cambaleante até Santa Maria del Mar, entre pombos e um vento gelado, delicioso, maritimo, do Mediterraneo que nunca se via, mas sempre se pressentia. O sino, os sinos, uma gaivota perdida voando em circulos, e era isto. Esta caminhada agora está cheia de lojas, boutiques carissimas, onde turistas voam correndo para o destino da moda. Agora até mesmo se vê o mar! A outra Barcelona, a de antes, terminou. Ja nao cabia mesmo ter aí o Montalban. Tambem as cidades passam por periodos de bobeira, se perdem e deslumbram.
Quando li que Montalban tinha morrido me veio à cabeça imediatamente a idéia de escrever sobre ele para algum lugar de gastronomia, exercitando a arte (qause) perdida do necrológio. Uma decisão meio estranha, se pensarmos que era um autor de romances policiais, antes de tudo. Mas seu personagem mais famoso, o detetive Pepe Carvalho, entre uma e outra investigação de assassinato cozinhava, comia, pensava e discutia sobre gastronomia. E de tal forma e com tanta frequência que teve uma livro publicado em que todas as receitas aparecidas nos outros foram reunidas, "Las recetas de Carvalho". A morte de um escritor é desconcertante, todas as mortes o são, mas os escritores deixam livros. A Barcelona que eu amo, a que Carvalho-Montalban frequentava já quase desapareceu por completo, durou o período entre o fim do franquismo e o desenfreado nouveau-richisme atual. Já não existe quase nada do Barri Xino, do Raval, daquela boemia errante e descaradamente celebratória da liberdade, depois de quatro decadas de chumbo. Alguém disse recentemente que boemia é sobre tolerancia, que as cidades são cada vez menos assim. Nem mesmo sei se ainda existe o El Raim, um minusuculo restaurante da Ribera, onde se comia em quatro mesas, redondas e compartilhadas pelos fregueses, e onde fiz algumas de minhas mais queridas refeições, pezinhos de porco, cabrito assado com batatas, embutidos feitos lá mesmo, pão, vinho da casa, postre de music, café e depois uma caminhada meio cambaleante até Santa Maria del Mar, entre pombos e um vento gelado, delicioso, maritimo, do Mediterraneo que nunca se via, mas sempre se pressentia. O sino, os sinos, uma gaivota perdida voando em circulos, e era isto. Esta caminhada agora está cheia de lojas, boutiques carissimas, onde turistas voam correndo para o destino da moda. Agora até mesmo se vê o mar! A outra Barcelona, a de antes, terminou. Ja nao cabia mesmo ter aí o Montalban. Tambem as cidades passam por periodos de bobeira, se perdem e deslumbram.
sonho de cine
Festa de Babette:
Muitos anos depois de vê-lo pela 1a vez, assisto outra vez o filme. E descubro surpreso um monte de coisas que o menino de vinte e poucos anos não tinha visto:
A)O filme é sobre ética.
B)A felicidade é a única finalidade da vida.
C)A felicidade é ética, portanto coletiva.
D)Nunca seja dinamarquês.
E) Se for inevitável ser dinamarquês, seja pelo menos francês.
F) Tudo é marron.
G)Comida pode ser muito cara.
H) Vinhos podem ser muito caros.
I)É muito difícil iluminar um lugar marron.
J)Não envelheça demais.
K) Se for inevitável envelhecer, não envelheça dinamarquês.
L)Baba ao Rum quase sempre é um fiasco.
M)Kierkegaard era dinamarquês. Epicuro não.
N)O álcool traz a felicidade. Ou pelo menos tenta.
O)Em quantidade, vinho bom ou ruim, conhaques e armagnacs fazem o mesmo efeito.
P)Se a Babette tivesse enchido logo a cara dos velhinhos teria economizado um monte de dinheiro.
Q) Beba bastante.
Muitos anos depois de vê-lo pela 1a vez, assisto outra vez o filme. E descubro surpreso um monte de coisas que o menino de vinte e poucos anos não tinha visto:
A)O filme é sobre ética.
B)A felicidade é a única finalidade da vida.
C)A felicidade é ética, portanto coletiva.
D)Nunca seja dinamarquês.
E) Se for inevitável ser dinamarquês, seja pelo menos francês.
F) Tudo é marron.
G)Comida pode ser muito cara.
H) Vinhos podem ser muito caros.
I)É muito difícil iluminar um lugar marron.
J)Não envelheça demais.
K) Se for inevitável envelhecer, não envelheça dinamarquês.
L)Baba ao Rum quase sempre é um fiasco.
M)Kierkegaard era dinamarquês. Epicuro não.
N)O álcool traz a felicidade. Ou pelo menos tenta.
O)Em quantidade, vinho bom ou ruim, conhaques e armagnacs fazem o mesmo efeito.
P)Se a Babette tivesse enchido logo a cara dos velhinhos teria economizado um monte de dinheiro.
Q) Beba bastante.
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