25.2.06

Remelluri blanco


Nem sempre o vinho é o que está na taça, é a sua história nela, o que vc sabe a respeito. Vinho é História e história, geografia e biografia. Um Remelluri blanco, com este nariz estupendo de cascas secas de laranja, de anchovas saídas do mar (mas como? o mar está a centenas de quilometros da Rioja Alavesa! O vinho não é para quem pensa cartesianamente. Há anchovas frescas no aroma do Remelluri e pronto), com esta carnosidade que te enche a boca e o espirito, alegria liquida. Aquele cheiro que dura segundos quando uma ostra é aberta, como se a onda do mar estivesse em refluxo mas ainda deixasse um restinho de maresia. E depois flores, petalas, um toque seco de mel, como se mel pudesse ser seco. O que mais se quer de um vinho? Que ele te transporte da Avenida Paulista poluida, feia e suja num sabado idiota de carnaval, para aquele sopé de montanha tão estupendo, para uma paisagem que nunca será a sua, para aquela tumbas milenares de mortos desconhecidissimos que já viraram minerais e que já viraram adubo e que já viraram vinho. Evoé Remelluri, um copo de vc é um carnaval. Beber um vinho assim vale uma missa. E depois vão aparecendo, sem nenhuma obviedade, o coco da madeira, tão discreto, tao elegante, um ponto sutil de botritis (ou será o skindo do carnaval já se intrometendo na minha olfação). Este vinho é um pequeno tesouro pré-quaresmal, depois dele realmente é preciso pensar 40 dias sobre o misterio da vida., e descobrir no final que tudo valeu a pena. Um vinho que faz chorar, como uma cantata de Bach. Sabe porque vinho é melhor que qualquer outra bebida? Por que vinho é comunitário, não é prazer solitário, é para ser compartido, dividido, só é realmente magnífico o vinho que é tomado em grupo.
Gracias Mikel Zeberio, David de Jorge e Juilián Armendáriz que me levaram aí por primeira vez, desta matéria líquida é feita a amizade e as gratidões. E Fifo e Margot Botti, com quem estivemos na porta da granja Nuestra Señora de Remelluri, chegar tão perto de Na. Sra. é mesmo como tocá-la.