27.1.06

Pausa



Amigos leitores deste Blog, tenho um livro para terminar nesta semana, para a editora do Senac, assim que o blog ficará temporariamente sem novos posts, mas não desanimem de mim, por favor, já estarei de volta.

26.1.06

Chauvin

No blog do (reaça) jornal ABC, o jornalista Carlos Maribona faz um comentário em boa parte equivocado sobre Alex Atala. Comentarei o artigo com detalhes, mas por enquanto fica o texto dele:
http://blogs.abc.es/index.php/gastronomia/2006/01/23/cena_brasilena

Bom neologismo

Alexandra Forbes, denodada companheira de jornalismo gastrô faz um relato engraçado do Madrid Fusión aqui e usa um termo novo para mim: o "ferranismo". Eu prefiro o "bullismo"...

25.1.06

no Bixiga

Os melhores programas são os que não estão programados. Uma visita à Basilicatta no Bixiga, numa tarde modorrenta de sábado e depois um almoço surpresa no Bassi, que foi quem ( o Wessel também) inventou a carne no Brasil. O lugar é ótimo, tinha me esquecido de lá completamente, o açougue que foi ainda aparece apesar da pátina de restaurante por cima ( e isto é um big elogio!), tem um delírio de samambaias no segundo andar digno de registro. A carta de vinhos é decentíssima, uns 100 rótulos com preços muito bem elaborados. Escolhemos um Porca de Murça, com a mémoria recente de um artigo da Jancis Robinson sobre a uva Souzão de que é feito. Vinho agradável, acho que de maceração carbônica (vou verificar) e que o garçon não teve resistência em deixar no balde de gelo por um certo tempo. O único senão eram as taças de vidro esforçado demais para ser cristal, mas ça va sans dire, não vou ser mais eno-chato que o habitual. O Porca de Murça passaria bem por um bom Beaujolais se o vin de m...ainda fosse bem feito. Acho que prefiro dizer: "Le Souzão nouveau est arrivé". Preço do vinho no restaurante: 31 reais! Baratíssimo.

Padoca, paddock











Padoca, s.f. singular, do grego inventado no feriado: pados, balcão e do latim idem docam, ração. Literalmente: ração tomada no balcão.

É o maior prazer do verão, quando os direitos humanos são claramente violados ("Todo homem tem direito a viver abaixo dos 20 graus centígrados"). Sair de casa Às 5 da manhã,antes que o sol de acetileno varra as ruas em busca de vítimas e comer uma média com pão com manteiga na padaria.

E o casamento não era pra valer

Novos no assunto vinhos ainda tratamos a bebida por Senhor, sem intimidade, cheios de dedos. Assim usamos estas palavras pomposas como degustação,análise organoléptica e falamos em aromas frutados de frutos roxos do bosque. A combinação de vinho com comida se chama "harmonização" (sem comentários...). Em espanhol a palavra muito mais divertida é maridaje (em inglês é matching, que é quase igual: acasalamento). E não é que os cientistas de Davis se meteram a provar que o acasalemento que todo mundo pensa ser o mais clássico é um blefe. Aquele mesmo: queijos e vinhos. Não é muita novidade, mas o link da notícia na Decanter está aqui:
http://www.decanter.com/news/73330.html
E os comentários de Fiona Beckett aqui:
http://www.foodandwinematching.co.uk/
Eu sempre tive a impressão que o melhor acompanhamento para vinho é vinho mesmo...mas isto fica para depois.

23.1.06

É a economia, estúpido!

Mark Bittman comenta no NY Times a série de grandes chefs estrelados que abrem bistrôs mais baratinhos...parece que não tem mais tanta gente disposta a pagar 300 euros para comer sem vinho (no Ducasse de NY eles trazem uma bandeja de canetas para o cidadão escolher aquela com que vai assinar a "painful one" no final).
http://travel2.nytimes.com/2006/01/22/travel/22paris.html
Ainda ironizando o manifesto do Adrià, quando ele diz que todos os produtos têm a mesma dignidade independente do que custam, está mais que correto, se e quando o resultado está à altura do comentário. A salada do Andoni Luis do Mugaritz não tem preço, é fabulosa, mas as verdurinhas crúas, estilo baby carrot do Charlie Trotter são só uma desculpa para cobrar cem dólares por umas abobrinhas passadas no azeite virgem.

O que se come lá no fundo

Pelas postagens anteriores sobre os 21 pontos do Ferran Adriá pode ter ficado a impressão que eu não gosto dele. Errado. Gosto bastante, acho importante, decisivo, divertido. Estive com ele só uma vez, durante o Foro Gastronomic de Vic no ano passado, um sujeito sem pretensão alguma e muito simpático. Nunca ouvi no meio uma pessoa que reclamasse dele, pelo contrário, só elogios à sua generosidade. Há a ciumeira conhecida, mas pedras mesmo nenhuma. O que me parece discutível (no sentido de feito para ser debatido) é a teoria. Enfim...aproveito e ponho o link para um ótimo e único artigo de Nick Lander, crítico do Financial Times e maridão da Jancis Robinson, sobre a comida da brigada do El Bulli, é muito engraçado.
http://www.jancisrobinson.com/categories/nick/nick050924

21.1.06

Secret Garden


Quando faz muito calor como hoje e nem o vinho dá prazer, os tantans da selva invadindo todos os poros, os helicopteros em louca cavalgada financeira das Valquirias sobre a Paulista, a confusão entre público e privado demonstrada em ruído, a prova do fracasso do Brasil como comunidade ( a inexistência quase total de parques)...fujo para meu último recurso: um livrão do Calder, não só do artista, mas do homem feliz, fazedor, bonachão, na sua casa de madeira como um urso da alegria. Calder faz bem.

20.1.06

Big

Quando eu crescer quero ser metade Adam Gopnik e metade Calvin Trillin. Estava neste desanimo pós manifesto quando fiz o que sempre faço quando estou desanimado (uma vez por semana em anos normais), passei a mão num dos 10 livros favoritos (listarei no momento adequado, quando não tiver assunto) e li o Trillin definindo a cozinha que não sabe a que veio: La Maison de la Casa House, comida caseira continental.

Muito além do jardim

Estou traduzindo o manifesto do Adriá. Numa primeira leitura me parece uma mistura de platitudes e truísmos mal alinhavados com a finalidade única de criar notícia e preparar uma volta ao pot-au-feu, como aconteceu mais ou menos na mesma altura da carreira do Bocuse. Está mais para Chauncey Gardiner, aquele jardineiro que dizia qualquer bobagem e era tido como gênio, que para um pensamento maduro de um Chef importante. Pena, porque ele podia ter ficado calado e já era o número 1. Pelo jeito esta vai ser a única revolução que termina com um manifesto, talvez o sonho perfeito dos marxistas, a prâxis iluminando a teoria, ou melhor passando sem dó por cima dela, que teoria mais pífia!

Regras

O sistema de classificação de Bordeaux é fácil de entender perto do sistema de negociação dos vinhos pelos Châteaux. Isto não pode ter sido inventado, é complexo demais, é como o rugby, ou se entende ou não, mas não se aprende. É uma forma ultra-francesa de fazer que ninguém se encontre com ninguém, que o produtor nunca veja (ou cheire) um consumidor.

Para quem não tem adega

Corri com minhas pobres garrafas para a geladeira. Sofrem menos com a trepidação que com o calor congolês (que no Congo se chama "calor brasileiro", a piada não é minha, infelizmente e nem estou para piadas neste clima). Quem inventou o calor deve estar no inferno, que aliás é quente.

Sobre narizes e clichês

Frank Prial no NY Times, a inscrição é grátis para ler o artigo e vale a pena.
http://www.nytimes.com/2006/01/18/dining/18wine.html

19.1.06

Joly, a entrevista


Aqui o link para a matéria da Gula:
http://www2.uol.com.br/gula/reportagens/index.shtml

Pirando no vinho


Saiu na Gula minha entrevista com M. Nicolas Joly, o mentor intelectual e agente físico da biodinâmica. Achei num papelzinho os vinhos que provamos na manhã em que ele me mesmerizou. São:
Coulée de Serrant 2001
Coulée de Serrant 1997
Domaine Gramenon La Memé 1995
Pommard Les Petits Noizons 2002 Derain
Dominio de Atauta Llanos del Almendro 2001
Corullon Moncerbal 2001
Pela cor na foto dá para sentir o que foi aquela gélida matina de Vic, os amarelinhos do Coulée eram do balacobaco. Teve um champagne biodinâmico também, Sélosse, mas não saiu na foto, era extra.

manifesto integral de Ferran Adriá


http://www.madridfusion.net/

No El País de hoje


Ainda se fazem manifestos... Ferran Adrià nos jornais espanhóis de hoje, 23 pontos sobre a nova cozinha...

18.1.06

Guerra do Fígado


O ganso vai morrer! Arregalam os olhos e gritam as mocinhas sensíveis. Mas nós também vamos... então melhor comê-lo. Muita gente acha que foie gras é um patê. E feito de porco ainda por cima. Neste caso dá pena do ganso mesmo, morrer com esse fígado glorioso por nada e ser chamado de porco. Agora os Estados Unidos proíbem a coisa, dizendo que é pouco higiênica... está declarada a guerra do fígado.

Rolou um stress, um dos prazeres mais unanimemente cultuados na boa mesa está sendo alvo de protestos e baixarias. Quem ousa falar em cozinhar ou comer estas duas inocentes palavrinhas francesas: foie gras, arrisca-se a ter seu nome empastelado, sua caixa de e-mails repleta de apopléticos vitupérios. Na Califórnia, no ano passado, um chef francês teve que se mudar de cidade, porque recebia ameaças pelo telefone e uma fita de vídeo pelo correio, mostrando o movimento de seus filhos, que iriam "ser seqüestrados e ter seus fígados inchados por superalimentação" se continuasse a produzir pratos com a iguaria. Curioso mundo este. Ninguém se preocupa muito em sair no seu carro individual, atravancando as ruas e poluindo a atmosfera, mas matar um ganso! Crime contra a humanidade...
E de onde vem o barulho? GLUPT conversou com produtores nacionais. Um deles, Marcondes Moser, tem estado nas barricadas em defesa do produto. No mercado há alguns anos, comercializando vários tipos de aves ("nosso carro chefe é o marreco, prato típico do estado de Santa Catarina, onde fica nossa empresa") ele tem sido o alvo mais freqüente dos eco-histéricos. Sua resposta é sempre educada e objetiva, em lugar de brigar ele argumenta, mesmo sendo bem claro que com estas pessoas não há muito que se racionalizar. Explica pacientemente: "o ganso não está doente, se estivesse não poderíamos consumi-lo. O fígado acumula gorduras num processo natural para atravessar as migrações e os rigores do inverno". Ou seja, todo ganso naturalmente faz uma auto-engorda (ao contrário dos humanos que pensam em dietas o tempo inteiro) para os meses de privações e necessidades energéticas maiores. Só que são abatidos nesse auge, antes de migrarem, e (nham) são comidos, o mais sublime dos alimentos. O que o criador faz é simular e estimular esse processo em cativeiro. O mais importante é notar que o aumento exagerado do fígado por acúmulo de gorduras só se dá alguns dias antes do abate e não, como sofrem em pesadelos as pessoas nervosas e hipersensíveis, durante toda a vida dos bichos. Mas militante muitas vezes não quer escutar, pois precisa acreditar. Se ficarem convencidos de que os gansos não sofrem mais do que uma alface para morrer, permitindo-se esse imenso prazer de comer seu foie, terão que buscar outra causa, a libertação dos chicletes, a humanização da fritura dos pobres pastéis, a crueldade do microondas, coisas do gênero. Mas isto está na esfera da psicopatologia, nós estamos na da gastronomia. Não querem comer foie gras? Melhor, sobra mais para nós. Não há hoje grande chef que não inclua um prato de foie gras no seu cardápio. Escolhemos um mais clássico, o proprietário do Le Violon d’Ingres, para dar duas receitas bem simples, em que os fígados são mais respeitados e não recebem excessos de adereços que mascarem sua única e irrepetível qualidade de delícia.
São receitas do Chef Christian Constant, ligeiramente adaptadas para os leitores brasileiros. Ressaltando que o melhor do produto é fazer de tudo para manter sua inigualável textura. O ganso já morreu, seu fígado é um dos grandes acontecimentos gastronômicos do planeta.

Quanto mais simples melhor



Quanto mais simples melhor.
Há certas coisas que já estão prontas e a simples adição do que seja tem que ser muito planejada e com muita moderação para não desequilibrar a perfeição. As ostras, por exemplo, dispensam quase tudo, exceto um suspiro, uma garoa delicada de limão. E o foie gras. Por isto damos duas receitas em que o produto é praticamente comido in natura.


Confit de foie gras

Como um fígado inteiro é generoso, pode ser usado para a receita acima e depois transformado em confit, para que a sobra seja conservada. Um confit nada mais é que uma carne cozida lentamente em gordura. Basta mergulhar o foie em gordura (de pato ou ganso) e levá-lo ao fogo baixíssimo, em banho-maria. A temperatura nunca deve ser alta, o limite sendo o calor que ainda conseguimos suportar com nossa mão nua. O foie irá também perder uma parte de sua gordura no processo. Com um palito se pode testar o interior da peça. Se já estiver cozido, sem sangue algum, está pronto. Deixa-se esfriar e guarda-se na própria gordura que o envolve. Isto faz com que dure mais, processo velho conhecido no interior da França (e do Brasil), em locais onde não havia geladeiras. No dia e hora de comer basta aquecê-lo delicadamente e utilizá-lo em alguma preparação culinária.

Foie gras

Foie gras em carpaccio
Esta é a mais simples das receitas. O foie gras depois de limpo (é necessário tirar o fel, para que não fique amargo) é colocado numa vasilha de louça e coberto com sal grosso e generosas pitadas de pimenta-do-reino moída na hora. Deve ser deixado aí, tampado e na geladeira, por um tempo mínimo de 4 horas, o ideal sendo uma noite inteira. Depois disso é só lavá-lo bem, ele terá aproveitado a quantidade exata de sal que precisa, nada a mais. Finalmente fatiá-lo finamente e comê-lo com torradas e um vinho branco doce, se possível um cálice de Sauternes, Tokaji ou do excelente Cosecha Tardia Chivite.

17.1.06

Entrevista com David de Jorge


David de Jorge é um dinamo basco, cozinheiro que já foi eleito "O melhor da Espanha", companheiro de criação e invenção de Andoni Luis no Mugaritz e idealizador de montes de coisas para o grupo Berasategui, desde receitas até livros e cardápios. Autor de "A cocinar", um livro de receitas para serem executadas em casa, sem problemas, sem complicações e sem esnobismos. Aqui David faz um pingue-pongue rápido com GLUPT:

G: Vc acredita que podemos falar numa "Geração Berasategui"?
DJ: É verdade que Martin [Berasategui], sem dúvida alguma, possibilitou a muitos cozinheiros poder se expressar. Uma grande virtude dele, que poucos copiaram. Como se sabe os cozinheiros acendem facilmente a grande fogueira das vaidades e a generosidade não é um ingrediente que escapa do fogo...

G:O que vc mais gosta? Inventar uma receita nova, aperfeiçoar uma antiga ou recriar uma clássica?
DJ: O que eu mais gosto é de cozinhar, sem limites e sem me deixar levar pelos modismos, fazendo o que dá vontade em cada momento e perguntando aos convidados o que querem comer.

G: Como autor de um livro muito especial sobre a cozinha de todosos dias, o que cozinharias para:
Hoje:
DJ: Algo bem quente, uma sopa de choriço e uma carne com salada, cortada bem fina e com molho de mostarda muito picante.
Amanhã:
DJ: Comerei frutas, bem frescas e iogurte.
No seu aniversário:
DJ: Uma sopa de peixe e muito vinho.
Num dia de muito calor:
DJ: Gazpacho e muita água
Num dia muito frio:
DJ: Carne assada e salada.
Que é melhor para comer alegre?
DJ:Com alegría tudo tem melhor sabor. Escolheria algo que não como habitualmente, para começar a me habituar.
E triste?
DJ:Quando se está triste, é melhor se refugiar na bebida que na comida.

G:Quais os seus líquidos favoritos?
DJ: A água e o vinho

G: E os sólidos favoritos?
DJ:uma mulher, hehe.

G:Dá para desenhar neste minuto, com caneta ou com o mouse, o que está comendo agora? (sempre peço isto às pessoas, sempre é muito divertido).
DJ: Olha, nunca fui bom em desenho, mas te dou a autorização para que desenhe em meu nome 4 biscoitos de trigo e 2 potes de iogurte natural, que foi o que comi na hora do almoço.

16.1.06

The real thing

The name is Bolli, Bollinger. A favorita do 007, da chefe dele, a Rainha, das AbFabs e...minha. Só ontem, depois de tantas décadas, num almoço inesquecível (como todas as coisas do genero inesquecíveis, será deletado em alguns meses) com o diretor da Maison, Monsieur Philippe Menguy, descobri que tudo que bebi até hoje sob o nome champagne não passava de espumante, pobre da Viuva Cliquot, pobre do querido monge beneditino Pérignon. Este o vinho de champagne verdadeiro, suco de Pinot Noir encorpado, austero, convincente. Uvas Grand Cru e Premier Cru, quer dizer, de parcelas de terra demarcadas, selecionadas, escolhidas, algo que produziria um grande borgonha tinto, se a opção fosse esta. E mesmo atrás de uma camada de Chardonnay a alma tinta está presente. Nada de explosões de alegria gratuita, mas uma felicidade interna crescente, algo como o nirvana. Nada de bolhas profusas, mas um fio fino, quase inexistente de micro-borbulhas, não diria pérlage, pérolas são grandes, diria mesmo mera agulha, cadeia de atómos. Quanto mais foi avançando o evento, e a qualidade e tempo de guarda das garrafinhas, mais a coisa foi ficando cheia de gravitas. Começamos com a jovem tímida e caladona, mas de trato amável, a Special Cuvée Brut. Depois trocamos umas palavras com a irmã mais velha, mais culta, interessante, Grand Année Brut 95. No final conseguimos alcançar o máximo, fomos admitidos à presença da própria e sábia senhora, uma R.D. Extra Brut 90. Isto mesmo, 1990, quinze anos de espera para ser engolida com um suspiro de contentamento. Ainda muito fresca devido à acidez tão presente, mas amarelo ambar, cheiro de confeitaria quente num dia de inverno, sabor amendoado (no sentido de amendoas e no de algo oblíquo também). Esta bebida peculiar, afastadissima da exuberancia celebratória dos seus pares, parece mais...parece...não sei, parece com ela mesma, uma Bollinger que fica macerando e envelhecendo na própria borra por todos estes anos até ser recentemente degolada, numa tradução literal do R.D. do rótulo. O nome é Bollinger, pronuncia-se Bô-lân-gê, mas isto se a língua ainda conseguir se mover.

Sobre a elegancia

1.Never brown in town
2.até 17 horas: ternos claros
3.depois das 17 horas: ternos escuros
4. preto é para luto, mafiosos e audiências no Vaticano
5.branco para bicheiros e quem está nas Bahamas
6.Nunca comer pão com garfo
7. Bêbado é quando não se consegue dar um double Windsor knot
8. Não mencione.
9. Não importa quanto custou.
10.Melhor não tocar no assunto.
11. Sendo Príncipe de Gales pode tudo
12.Never explain
13.Never complain
14. Gravata é um assunto sério
15.Não intua. Não conclua...

alguns pontos de vista

Palavras e atitudes do GLUPT:
1. As palavras degustar, degustação não são aceitas. Os vinhos são provados, experimentados ou bebidos.
2.A palavra genial não é boa, ninguém é genial, toda mundo, um dia, erra no sal.
3. O GLUPT rejeita qualquer tipo de classificação por estrelinhas, pontos, notas. A classificação aceita é : "gostei, não gostei, adorei, me lambuzei, bebi tudo, péssimo, excelente, valeu a pena, não vou nem morto, pergunta quando eu volto ali". E variações.
4. GLUPT não gosta da palavra isolada Parker, ou em conjunto, da palavra Robert seguida pela palavra Parker, principalmente quando as duas são seguidas por uma nota.
5. GLUPT aceita convites para jantar, vinhos para beber, viagens e outros mimos, mas igualmente o estabelecido no item 3, isto não impede nem altera as opiniões do blog, apenas ajuda um pobre blogger a ter acesso ao que nunca teria.

13.1.06

Remelluri

12.1.06

Da série dos Chefs imaginários

Era uma quatrocentona de oitocentos anos, porque as origens voltavam e voltavam até quase tocar o elo perdido. Num sopetão ficou paupérrima, vendeu as sévres, os gobelins, os baccarat, os fabergé, o haras e a fazenda de papai, que tinha café. Sobrou uma finíssima bomboniére, dita como tendo pertencido aos romanoff. Sobrou também a empáfia. Mudou-se, num eufemismo delicado, para a Praça da República, para um banco da praça. E ficava lá fazendo pose, enquanto a pose conseguiu se manter. Com umas caixas de uva (a melhor madeira para queimar) fazia uma fogueirinha e numa lata de gordura de coco cozinhava o seu grande segredo: o parfait de marrons praliné. Como conseguia seus ingredientes? Tinha dois doadores anônimos, antigos admiradores dos tempos da juventude áurea, falidos também, mas com modestas pensões que lhes garantiam um teto. E eram viciados, vidrados, fascinados por aqueles parfait. Fazia uma dúzia para cada um deles e o que sobrava guardava na bomboniére. E dava para os passantes, mas só para os que julgava elegantes, só para os homens e somente para os que tinham impecáveis sapatos pretos bem lustrosos. Tinham que ser distintos, com cara de gente educada à suíça. Um deslize , uma meia de cor equivocada, uma gravata mais chamativa, como de publicitários e arquitetos e ela já recolhia rapidamente a mão com o docinho e marcava para sempre o cidadão como indigno de seus mimos. Ficou lá muito tempo, dizem, até que a bomboniére se quebrou. Desde então os homens têm andado cada vez mais mal vestidos...

Ensinando receitas para uma lebre morta

para J.Beuys

Ontem, vendo um filme de Woody Allen na TV, lá pelas tantas ele constata que os animais são cruéis, comem uns aos outros com um despudor de mandato bíblico. Uma espécie de Comei-vos uns aos outros. E conclui: "a Natureza é um imenso refeitório". Pois se é assim estarei perdoado por ter cozinhado o Felipe. Eu já ouvi muitos casos de crianças que comeram sem saber (ou sabendo)suas galinhas, perus e patinhos. O bicho fica lá na casa engordando, as pessoas tomam afeição, mas chega sempre o dia em que a afeição vira refeição. Meus bichos de estimaçao sempre foram gatos, assim que AINDA não tive a experiencia de comer um amigo. Foi então que me telefonaram e contaram a história: o Felipe - um coelhinho branquinho, dos filhos do casal - o cachorro matou numa dentada. Não destruiu nem nada, "está aqui inteirinho, ficamos com pena de jogar fora". A prima me diz que bicho morrido de morte matada pode ser comido, de morte morrida não. E lá fui para transformar o Felipe em arroz. Fazia um tempo eu queria fazer um arroz da maneira campestre, na lenha de uma fogueira. Explico que "los arroces" são o nome genérico do que chamamos paella, naquele país de países que chamamos Espanha. Paella é apenas a palavra catalã para panela, e o arroz que se cozinha nela. A que se chama valenciana leva, ao contrario do que se pensa, enguias, cogumelos selvagens, favas e caracóis e ...coelho. Depois há toda a variação, com alcachofras, perdizes, aspargos, até chegar na nossa conhecidissima com mexilhoes, lulas, galinha, costelinha de porco. Quando cheguei houve um certo constrangimento, culpas e arrependimentos, os pais já algo sem graça pela historia, mas então o decidido a não desperdiçar a oportunidade era eu. Sei que deve ter gente se perguntando: oportunidade de que? Afinal tem coelho em qualquer supermercado, já limpo e pronto para a panela. Mas eu estava atrás era do quintal e da fogueira, nesta cidade de apartamentos e proibições. O coelho era o pretexto. Depois de muito sussuro para os meninos não perceberem o que seria o jantar começamos a fazer uma fogueira bonita, com galhos de goiabeira e outras madeirinhas combustiveis. Ficou muito bom, considero a melhor que já fiz e dou aí umas indicações para quem tiver o espaço e a liberdade para este gesto primal de cozinhar na brasa de uma fogueira de verdade, no chão bruto.
Como cozinhar o Felipe:
Eu usei uma paella de quase 50 cms de diametro, para 1 quilo de arroz. As brasas tem que ter o mesmo diametro, porque o grande segredo é não mexer o arroz depois de tudo juntado lá. ...depois termino.

O chef lacaniano

Ele é elegante, seu jaleco é Armani e é cor de vinho, nada de branco convencional. Tem um garfo tatuado nas costas da mao esquerda e uma faca na mao direita. Tem um piercing com um saleiro num mamilo e um pimenteiro no outro, com sal e pimenta dentro! Arremata os pratos na mesa, tempera um pouqinho com estes instrumentos pendentes. Ninguem decide nada, ele olha a cara do cliente e interpreta: "le fantôme voilá le symptôme, saint-pierre grillé para voce!", ou: "eu sou o que cozinho, eu cozinho o que eu sou!" declara enquanto confere a assinatura no cheque do cliente. Todos os pratos são caros, mesmo o café é caro. "todo mundo gosta de comida cara, quem sai quer gastar muito, para mostrar poder". No fundo do restaurante tem um armarinho, ele vai várias vezes durante a noite até lá, enfia a cabeça e sai cafungando. São colheradas e colheradas de sua perversao secreta: geleia de mocotó sabor abacaxi.

Variações sobre o colecionador incógnito



Pela coleção se julga o colecionador.
O colecionador é bem obsessivo.
O colecionador é mesquinho com dinheiro.
O colecionador tem alguma erudição.
O colecionador tem um pensamento circular.
O colecionador é muito meticuloso.
O colecionador é algo vaidoso.
O colecionador é capaz de tudo.
O colecionador pertence ao objeto.
O colecionador já está criando uma barriguinha.
O colecionador nunca está satisfeito.
O colecionador tem as mãos trêmulas.
O colecionador só escreve a lápis.
O colecionador usa roupas folgadas.
O colecionador tem tonteiras freqüentes.
O colecionador não gosta de conversar.
O colecionador não gosta de computadores.
O colecionador não gosta de competidores.
O colecionador não gosta de ninguém.
O colecionador sofre de melancolia.
O colecionador come sanduíches, porque é mais rápido.
O colecionador não tem tempo a perder.
O colecionador tem pretensões.
O colecionador não fala idiomas estrangeiros.
O colecionador fuma, esporadicamente.
O colecionador bebe, com alguma freqüência.
O colecionador viaja, freqüentemente.
O colecionador precisa de óculos.
O colecionador tem problemas na coluna.
O colecionador dorme bem, mas não sonha.
O colecionador não tem biografia.
O colecionador está sempre atento.
O colecionador é persuasivo.
O colecionador prefere desconversar.
A coleção só acaba quando termina.
A coleção atrai muitos predadores.
A coleção acumula poeira.
A coleção provavelmente se dispersará.
A coleção não recebe a atenção que merece.
A coleção nunca se viu inteira.
A coleção ocupa espaço.
A coleção ocupa muito espaço.
A coleção ocupa todos os espaços disponíveis.
A coleção não é fácil de conservar.
A coleção demanda muitos recursos.
A coleção não é fácil de transportar.
Só a coleção é permanente na vida do colecionador.
O colecionador envelhece e morrerá.
A coleção perece e desaparecerá.
O colecionador colecionará até a morte.

Um dia no campo



Oito da manhã no intenso frio do inverno da plácida e linda Montevidéu. Daniel Pisano me pega no hotel para visitarmos vinhedos. No carro o patriarca da família, César Pisano, diz que "saiu para dar uma voltinha". Paramos no campo, numa pequena elevação da qual se podem ver todas as áreas de plantação. Daniel vai animadamente explicando: aqui temos Pinot Noir, ali Tannat, ali Cabernet Sauvignon...O sol mal apareceu, a grama está úmida e gelada, as videiras dormem o seu sono de frio, mas a atividade do homem continua em torno delas e para seu benefício. Houve a poda, agora as ramas são dirigidas para busca de melhor insolação e arejamento, evitando pragas e podridão. No meio do campo está Eduardo Pisano, encarregado dos vinhedos. Ele supervisiona no momento esta "amarração" das ramas, usando vime, que depois será tragado pelo solo, sem contaminação. Todo o trabalho dos Pisano é orgânico, o fértil solo da região de Canelones e Progreso dispensa fertilizantes, os pesticidas são desnecessários pela própria manutenção de um balanço ecológico, em que insetos "bons" combatem os "indesejáveis". Os vinhos e os vinicultores agradecem. Cesar Pisano só reclama das lebres que comem suas rosas, ele gosta de plantar rosas no inicio de cada fileira de vinhas. Daniel dirige o carro com uma mão e gesticula com a outra, ensinando todo o processo, enquanto manobra para por e tirar seus dois pares de óculos que pendem do pescoço ("uma para ver mulheres feias e outro para as bonitas". Como se nota ele olha todas...). Não sossega enquanto não acha um local em que o solo se exiba por inteiro, com suas pequenas pedrinhas calcárias típicas da região. Nesta altura já estamos cobertos de barro até quase os joelhos. Só então me ocorre perguntar se tem cobras por ali. "Claro! Eu já fui picado quando cortava bambus para fazer estacas", diz impassível. Ele não quer me mostrar só os seus vinhos e como são feitos, quer que eu entenda o país, que coma a carne de Hereford, mais firme e mais saborosa que as nossas e a Argentina, quer que entenda como são tomadas as decisões dentro de uma empresa familiar, quer me explicar o terroir (expandindo o conceito e enfiando todo o Uruguai dentro dele). Parece incansável neste esforço, vamos ao Café Brasileiro, tradicional café de tertúlias, ao porto, ao cerro ver a cidade de cima, até mesmo ao estádio Centenário. É verdade que nada disto tem a ver com vinho diretamente, mas se o vinho é fruto do lugar, eis o lugar é o que me diz. Na sede da empresa, uma agradável casa cor de salmão com tijolos aparentes, no significativo lugarejo chamado "Progresso" visitamos a sala de barricas, mais algumas parcelas de uvas, onde está a famosa 1ª viña que dá nome ao seu mais conhecido vinho e nos encontramos com Gustavo, o enologo, que me mostra as primeiras Harriague (as mudas mais antigas de Tannat, trazidas pelos imigrantes) algumas quase centenárias. São mantidas ali mais por tradição pois significam a continuidade do trabalho. Provamos dos vinhos que terminam seu estagio em barrica, dois diferentes Pinot Noirs, alguns Tannat, um Merlot, Petit Verdot, Cabernet Franc. Apesar de vinhos muito jovens já mostram um caráter bastante forte neste inicio de vida e prometem, como prometem estes vinhos! No almoço de carnes grelhadas, na própria cantina, rodeados por fotos e lembranças da longa viagem destes Pisano e Arretxea da Itália e do Pais Basco até este pedacinho da America do Sul, que é uma metáfora também da mesma trilha da Harriague/Tannat que nasceu difícil no Madiran e encontrou seu desenvolvimento e lugar no Uruguai. Comemos alguns dos miúdos mais cobiçados do mundo, mollejas (timo de vitela, o ris de veau francês), chotos (intestino delgado de cordeiro) e chinchulines (intestino grosso) e uma degustação vertical informal de 1a Vina Tannat, vinho emblema do país, único rotulo uruguaio a aparecer no Atlas Mundial do Vinho de Hugh Johnson e Jancis Robinson. Mesmo não sendo pensado como um vinho de guarda, surpreende como continua vivo e fresco desde a safra mais antiga que têm estocada. Um espumante de Torrontés mata a sede e mostra a versatilidade pouco explorada desta uva. Quando já aparecia no céu uma lua imensa e a temperatura voltava a cair bastante apareceu o vinho do sobrinho, porque a novíssima geração (a quinta) de Pisanos, capitaneada por Gabriel Pisano (21 anos) inventou um vinho, e Daniel conta que a cada passo dizia: "tudo bem, vamos desperdiçar alguns litros de Tannat...mas deixa eles". E depois: "tudo bem, vamos gastar umas barricas de carvalho francês novas, mas deixa os meninos fazerem experiências". Dali saiu o Etxe Oneko, licor de Tannat, uma mistura implausível entre um Porto e um Amarone, denso, frutado, bastante ácido, muito sutil mas muito presente, capaz de enfrentar sem medo sobremesas adocicadas e um queijo azul. O tio Daniel acaba por admitir: "tenho muito orgulho de meu sobrinho, ele sabia o tempo todo o que estava fazendo". Mais um Pisano que sabe.

vácuo

O horror ao vazio barroco era uma atitude estética, cujo resultado ainda é agradável até hoje, mesmo que dê a "síndrome de cansaço do baixo-contínuo" em algumas pessoas mais sensíveis. Atualmente tenho percebido (suportado descreveria melhor) uma espécie de horror vacui moral, em que a necessidade de preenchimento de todos os espaços (sonoros, visuais, etc) é mais para evitar olhar para o interior cheio de ar de cada um. Estou quase pedindo: desliguem este oco intelectual aí que eu quero pensar!

Geração

Gente que umas décadas atrás queria mudar o mundo, agora está -no máximo- tentando mudar a mão da própria rua, para ficar mais fácil estacionar o carro.

O livro da Sandrine

Comprei o livro que Sandrine não gostou. Eu queria muito, ela largou na página 10. Não sei a razão, talvez porque ela fume tanto e o livro ficasse escorregando enquanto ela tentava alcançar o maço de Gitanes na cabeceira. Ou leu no metrô um pouco e quando chegou em casa se arrependeu da compra. Sandrine usa um perfume bem clássico, com um fixador tremendo. O livro atravessou o Atlântico, passando pela casa da mãe do Dominique em Grenoble. Sandrine deve tê-lo comprado na Fnac, mas conseguiu vendê-lo para mim pela Amazon. Cada vez em que abro o livro o cheiro de cigarro e perfume de Sandrine está presente. Penso se ela estará contente com os 6 euros que recebeu. Eu estou contente com o livro. Mas acho que Sandrine podia tentar largar o cigarro, ou fumar menos.

Sintética

As rolhas de plástico não fazem pop.

Samaniego

Palavras

Tipicidade = bucolismo? Existe a palavra bucolismo? Preguiça de olhar no dicionário, mas soa bem.

Conceito

Tenho umas destas luzes, coisas que se lê e prova e só num momento fazem a digestão no cérebro. De repente entendo a diferença entre terroir e tipicidade. Mesmo com Raffaele Cani da Santadi me dizendo, brincando é claro, que até a igreja bizantina que fica no caminho da bodega, na Sardenha, entra no vinho, o que seria uma visão de "obra de arte total" do conceito de terroir...Mas entendo hoje assim: terroir é geologia, mais que tudo. Tipicidade é geografia.

Erosão humana

É preciso sempre tirar uma colher de areia da base da estátua do líder (ídolo, autoridade, governo, chefe, you name it). Uma colher cheia. Isto em décadas (anos, séculos, milênios...etc) irá derrubá-la.

por aí

Gosto de cidades que estão meio ou totalmente fora de foco, mas que tenham frio e umidade. Nunca moraria em Nova York, cidade já ressecada pelo olhar, elegeria Baltimore. Mas muito mais interessantes seriam Montevideu, Trieste, Bratislava ou Léon. Barcelona cansou, está exausta de si mesma (ainda tem recuperação...). Aqueles locais que Jan Morris disse serem "the meaning of nowhere" como Trieste. No Brasil, não sei, talvez Caxias do Sul.

Espanha 1

Graham Greene, em suas viagens anuais à Espanha, pedia ao motorista que parasse em qualquer hospedaria de beira-de-estrada e que perguntasse se tinha Marques de Murrieta. Se a resposta fôsse sim, o escritor inglês descia do carro e se hospedava lá. Para mim seria o Remelluri, onde há, posso ficar. Mauro também. Contino del Olivo também. Não há vida inteiramente feliz fora destes vinhos e aqui, vamos enganando.

aforisma

Tudo já foi feito antes, e melhor. Mas continuemos tentando.

Uma experiência atordoante

(em saudosa memória do refinamento)
Uma loja de comida inaugura uma ala nova. Esta frase parece conter intermináveis possibilidades de prazer, a língua estalando pelos sabores, a saliva escorrendo em profusão. Mas na verdade o que experimentei foi uma espécie de inferno branco e super iluminado. Você enfrenta o transito horrível e chega a um arremedo de Harrods (que já é por si mesma um arremedo de Harrods faz tempo...). E aparece então a figura trágica do manobrista, este caronte da contemporaneidade. A coisa começa assim. Te empurram para um ambiente estranho, um lugar em que todos os homens estão de preto, todas as mulheres estão louras tintas, todo mundo é muito feio, exceto os garçons. Há muita comida, mas a ansiedade não abre o apetite. É uma cirurgia, com anestésico insuficiente. Você vai andando meio às tontas, bombardeado pela oferta absurda de produtos, desviando com cuidado de algum mogul da indústria, ou de algum "bolso-fundo" diretor de empresa, estas pessoas que parecem bonecos e que são empurradas daqui para ali pelos seus guarda-costas sextavados. Te servem champagne de forma muito errada, a espuma que transborda da taça, morna como uma tarde em Caruarú.
Há um crescente clima de irrealidade, uma espécie de moto-perpetuo do baile da Ilha Fiscal, mazurca fixa. Tam-tam-tam nos ouvidos, será musica, ou será a enxaqueca? Como te empurram! Ninguém jamais pede licença, ninguém jamais pede desculpas. Todas as frases são inacabadas, mas não importa nem um pouco. Os hooligans pelo menos não usam perfumes tão caros e tão fortes. E nem tentam falar.
Pelos cantos a comida envergonhada se esconde, foie gras caríssimo, suspirando saudoso pelo ganso cevado a que pertenceu um dia. Pobre salmão congelado, onde estará tua liberdade de rio gelado canadense?
Em qual goela exótica desaparecerá arfe-arfe o frio jerez envelhecido?
Na saída a vingança. Não se para o país com greves, com manobristas sim. Todos os ternos pretos e a finas paulistanas perdem as estribeiras, aqui fora não há champagne morna, há só um olhar meio pasmado dos transeuntes, um ou outro mendigo de película e a angustiante espera pelo carro que não chega. Do lado de fora o medo, do lado de dentro o tédio, o risco de pisoteamento, o assalto continuado do pedantismo gastronômico. E o prazer?

O adeus ao detetive

"España son sus gentes, no sus límites geopolíticos"
Quando li que Montalban tinha morrido me veio à cabeça imediatamente a idéia de escrever sobre ele para algum lugar de gastronomia, exercitando a arte (qause) perdida do necrológio. Uma decisão meio estranha, se pensarmos que era um autor de romances policiais, antes de tudo. Mas seu personagem mais famoso, o detetive Pepe Carvalho, entre uma e outra investigação de assassinato cozinhava, comia, pensava e discutia sobre gastronomia. E de tal forma e com tanta frequência que teve uma livro publicado em que todas as receitas aparecidas nos outros foram reunidas, "Las recetas de Carvalho". A morte de um escritor é desconcertante, todas as mortes o são, mas os escritores deixam livros. A Barcelona que eu amo, a que Carvalho-Montalban frequentava já quase desapareceu por completo, durou o período entre o fim do franquismo e o desenfreado nouveau-richisme atual. Já não existe quase nada do Barri Xino, do Raval, daquela boemia errante e descaradamente celebratória da liberdade, depois de quatro decadas de chumbo. Alguém disse recentemente que boemia é sobre tolerancia, que as cidades são cada vez menos assim. Nem mesmo sei se ainda existe o El Raim, um minusuculo restaurante da Ribera, onde se comia em quatro mesas, redondas e compartilhadas pelos fregueses, e onde fiz algumas de minhas mais queridas refeições, pezinhos de porco, cabrito assado com batatas, embutidos feitos lá mesmo, pão, vinho da casa, postre de music, café e depois uma caminhada meio cambaleante até Santa Maria del Mar, entre pombos e um vento gelado, delicioso, maritimo, do Mediterraneo que nunca se via, mas sempre se pressentia. O sino, os sinos, uma gaivota perdida voando em circulos, e era isto. Esta caminhada agora está cheia de lojas, boutiques carissimas, onde turistas voam correndo para o destino da moda. Agora até mesmo se vê o mar! A outra Barcelona, a de antes, terminou. Ja nao cabia mesmo ter aí o Montalban. Tambem as cidades passam por periodos de bobeira, se perdem e deslumbram.

sonho de cine

Festa de Babette:
Muitos anos depois de vê-lo pela 1a vez, assisto outra vez o filme. E descubro surpreso um monte de coisas que o menino de vinte e poucos anos não tinha visto:
A)O filme é sobre ética.
B)A felicidade é a única finalidade da vida.
C)A felicidade é ética, portanto coletiva.
D)Nunca seja dinamarquês.
E) Se for inevitável ser dinamarquês, seja pelo menos francês.
F) Tudo é marron.
G)Comida pode ser muito cara.
H) Vinhos podem ser muito caros.
I)É muito difícil iluminar um lugar marron.
J)Não envelheça demais.
K) Se for inevitável envelhecer, não envelheça dinamarquês.
L)Baba ao Rum quase sempre é um fiasco.
M)Kierkegaard era dinamarquês. Epicuro não.
N)O álcool traz a felicidade. Ou pelo menos tenta.
O)Em quantidade, vinho bom ou ruim, conhaques e armagnacs fazem o mesmo efeito.
P)Se a Babette tivesse enchido logo a cara dos velhinhos teria economizado um monte de dinheiro.
Q) Beba bastante.

6.1.06

Então

Começou e quando começa é assim mesmo.