"España son sus gentes, no sus límites geopolíticos"
Quando li que Montalban tinha morrido me veio à cabeça imediatamente a idéia de escrever sobre ele para algum lugar de gastronomia, exercitando a arte (qause) perdida do necrológio. Uma decisão meio estranha, se pensarmos que era um autor de romances policiais, antes de tudo. Mas seu personagem mais famoso, o detetive Pepe Carvalho, entre uma e outra investigação de assassinato cozinhava, comia, pensava e discutia sobre gastronomia. E de tal forma e com tanta frequência que teve uma livro publicado em que todas as receitas aparecidas nos outros foram reunidas, "Las recetas de Carvalho". A morte de um escritor é desconcertante, todas as mortes o são, mas os escritores deixam livros. A Barcelona que eu amo, a que Carvalho-Montalban frequentava já quase desapareceu por completo, durou o período entre o fim do franquismo e o desenfreado nouveau-richisme atual. Já não existe quase nada do Barri Xino, do Raval, daquela boemia errante e descaradamente celebratória da liberdade, depois de quatro decadas de chumbo. Alguém disse recentemente que boemia é sobre tolerancia, que as cidades são cada vez menos assim. Nem mesmo sei se ainda existe o El Raim, um minusuculo restaurante da Ribera, onde se comia em quatro mesas, redondas e compartilhadas pelos fregueses, e onde fiz algumas de minhas mais queridas refeições, pezinhos de porco, cabrito assado com batatas, embutidos feitos lá mesmo, pão, vinho da casa, postre de music, café e depois uma caminhada meio cambaleante até Santa Maria del Mar, entre pombos e um vento gelado, delicioso, maritimo, do Mediterraneo que nunca se via, mas sempre se pressentia. O sino, os sinos, uma gaivota perdida voando em circulos, e era isto. Esta caminhada agora está cheia de lojas, boutiques carissimas, onde turistas voam correndo para o destino da moda. Agora até mesmo se vê o mar! A outra Barcelona, a de antes, terminou. Ja nao cabia mesmo ter aí o Montalban. Tambem as cidades passam por periodos de bobeira, se perdem e deslumbram.